LIVRO – SCHISMATRIX – O MUNDO PÓS HUMANO – BRUCE STERLING

CAPA PORTUGUESA
Livro: Schismatrix: o mundo pós humano. O livro foi originariamente publicado nos EUA, em 1985. Em Portugal em 2003, na Editorial Presença.
Uma estranha história, um romance que mistura ficção cientifica, futurismo, e o conceito de evolução da espécie humana num futuro a 100/200 anos, assim como a ideia de encontro da raça humana com extraterrestres.
Autor: Bruce Sterling, que pode ser encontrado no blog pessoal, acoplado à revista Wired.
Sterling é bastante estranho no livro e cria um universo convincente mas bizarro. O livro não parte do principio que terão que ser formas de vida extraterrestres a condicionar desde o inicio toda a série de histórias que deram origem a Schismatrix, como sucede em muitas histórias de ficção científica.
O ponto de partida é no entanto, muito interessante. Sterling cria uma ideia de desenvolvimento futuro da raça humana assente em dois caminhos:
- A facção humana “Mecanista”
- A facção humana “Modeladora”.
Os mecanistas são humanos que escolheram “aperfeiçoar-se e combater o envelhecimento”, usando técnicas de software e aparelhos mecânicos de ajuda ás funções biológicas, para viverem.
Os modeladores são humanos que escolherem fazer engenharia genética em grande escala para se auto desenvolverem e viverem, incluindo nascerem planeados geneticamente.
Ambas as opções são sugeridas por Sterling como caminhos possíveis para a espécie humana e ao mesmo tempo. Cria um conceito de um mundo (sistema solar) sempre em permanente rebelião, com micro guerras, interesses particulares e conspirações, golpes de estado, mudanças de personalidade e de estado físico/biológico de vários dos intervenientes, mudanças na forma como planetas ou asteróides são geridos, quer como sistema político, quer por quem ( sub grupos ou sub facções) os gere.
Existem duas facções principais em luta pelo controlo do sistema solar que se combatem, embora não de forma aberta numa guerra total mas antes, através de conspirações dos mais variados tipos.
O livro segue – como personagem principal – a vida de um modelador chamado Abelard Malcom Tyler Lindsay, que por volta dos 30 anos de idade é banido da sua República – a República Corporativa Circunlunar Mare Serenitatis e os acontecimentos subsequentes.
História:
Abelard Lindsay nasce na colónia lunar que dá o nome à República, de um família de mecanistas aristocratas. É enviado para o “Conselho do Anel Modelador” para receber treino genético especializado em diplomacia e a partir dai adere à causa modeladora renegando as suas origens mecanistas.
Mais tarde lidera uma rebelião, contra os chefes modeladores da República, pelo facto de estes usarem tecnologia mecanista para prolongarem as suas vidas. Luta também, influenciado pela sua mulher (uma Preservacionista) em favor das ideias de um grupo chamado os “Preservacionistas”, um movimento reaccionário da juventude da República, ligado à arte e ao romanticismo, que pretendia voltar a instaurar a cultura do passado para não perder a ligação à cultura originária do Planeta Terra.
Inicialmente, o seu amigo de infância, Phillip Constantine junta-se a Lindsay (e trai-o depois), mas sendo Constantine um “plebeu”, apesar disso, possui conhecimentos “Modeladores” de biotecnologia elevados e é autorizado (apesar de ter participado inicialmente na traição) a permanecer na República, enquanto Lindsay é banido.
Este tinha previamente feito um pacto de suicídio (a única forma de tirar a vida a alguém permitida pelo regime Modelador) com a sua mulher, Vera kelland, e, depois da morte dela por suicídio, Lindsay renega-o, apenas para vir a saber que o seu melhor amigo o tinha traído e o tinha tentado assassinar.
Fonte/ Source “Entropy Pump”
Todo este conceito é desenvolvido num contexto em que a raça humana, já não habita o planeta terra, (uma ideia do que poderá vir a suceder?)
Antes, tinha saído para o sistema solar e cortado ligações com a Terra e os seus habitantes.
Vivia, usando a tecnologia disponível, em asteróides, ou planetas, vivendo do comércio e da extracção de minérios nos mais variados sítios e das mais variadas maneiras.
Grande parte das “nações humanas”, Modeladoras ou Mecanistas, situava-se nos anéis de Saturno e na cintura de asteróides de Júpiter.
Sterling dá vida às mais variadas histórias e personagens, golpes e contra golpes, desenvolvimentos tecnológicos num mundo sempre bizarro, e sempre em constante mutação.
O leitor segue tudo isto (com extrema dificuldade no principio do livro diga-se), através da vida e das movimentações de Lindsay e das interacções deste com as personagens que encontra.
Desenvolvimento:
Quando Lindsay é banido para uma zona de párias, conhece um velho mecanista ( Ryumin ) e Kitsune (a gestora do banco de geishas) modificada geneticamente pelos Modeladores para ser a “Prostituta ideal” e a história desenrola-se, formando Lindsay o “Kabuki intra solar”. (É lançada a ideia da modificação genética para criar “tipos” de pessoas adequadas, no caso a prostituição?)
Os modeladores representam uma ideia de totalitarismo (assente na genética), enquanto que os mecanistas são desapaixonados e fascinados com tecnologia (assente na desumanização). A cintura de asteróides de Júpiter é dominada pelos Mecanistas, os anéis de Saturno pelo “Conselho do Anel Modelador”.
Sterling descreve os problemas com bactérias e vírus, (uma pista futurista acerca dos problemas da exploração espacial?) que quaisquer membros das facções enfrentam ao mudar de um mundo para outro, (ou de uma nave para outra) e a forma como os corpos se adaptam ou não a diferentes tipos de vírus.
Descreve como refugiados ou banidos se tornam, (Modeladores ou Mecanistas) formadores de novas repúblicas/regimes em asteróides ou pequenos planetas desabitados e de como isso gera inúmeros e múltiplos povos em que modeladores e mecanistas se misturam, fazendo parte da mesma população de um novo regime.
Existem vários conceitos lançados como ideias muito interessantes de analisar. Na facção modeladora existe condicionamento genético intelectual levado ao extremo o que origina tentativas de criar seres com QI de mais de 200 – os Super inteligentes – que acabam por correr mal ( são seres não dotados de capacidade social de relacionamento).

CAPA DA PRIMEIRA EDIÇÃO AMERICANA - FONTE WIKIPÉDIA
Os contratos de casamento são a termo certo, com clausulas definidas.
As lutas de poder, são feitas mandando assassinar alguém usando a tecnologia, que cria “assassinos” para isso. (Uma pista para o futuro?)
Na área da privacidade pessoal pública tudo é controlado por instrumentos electrónicos de vigilância fixos e “robots (designados por cães). Excepto as zonas chamadas “Discreto”. Onde não existe controlo e tudo acontece desde orgias sexuais a reuniões de negócios e conspirações. (Uma pista para o que será o futuro da privacidade – a inversão dos termos da mesma?)
Existem Nações apenas dentro de naves espaciais – uma delas é a nave de guerra e mineração “Consenso Vermelho.” Lindsay chega a ser cidadão desta “nação” que existe dentro da nave espacial.
Não existem conceitos de dia e de noite nas naves espaciais – dorme-se a qualquer hora.
A chegada do extraterrestres:
Em 2217, quando conhece a sua segunda mulher, Nora Mavrides, uma modeladora, e está num enorme aperto, Lindsay tem sorte:o sistema solar assiste à chegada dos “Investidores”, a primeira raça de alienígenas a chegar a este sistema solar.
A chegada dos “Investidores” gera o período conhecido por ” a Grande Acalmia”, uma area de tempo onde não existem guerras, apenas paz e competição comercial.
Existem aqui alguns paralelos com “os tipos do dinheiro e a forma como investem”, na descrição de Sterling. Os investidores são fanáticos por comércio e estabilidade e só por isso. Compram e vendem tudo o que podem – aos humanos e a outras raças pelo preço mais vantajoso possível, cobrando além disso taxas pelo uso do sistema de propulsão secreto que tem, e que permite aos humanos conhecerem novas raças inteligentes – viajando nas naves dos “Investidores”.
Na história Lindsay vê nisso uma oportunidade, para, pela segunda vez “desaparecer de cena” e fundar uma segunda república poderosa chamada Goldreich-Tremaine. Com o decorrer do tempo novas conspirações emergem para destruir o poderio de Goldreich -Tremaine (uma pista para o que poderia acontecer no futuro – e não deixei de pensar se Sterling não teria sido influenciado por uma história de Rudyard Kipling- o Homem que queria ser Rei).
A longevidade da raça humana:
Sterling oferece uma panorâmica da raça humana a viver até aos 200 anos cheia de implantes e melhoramentos genéticos, para quem pode pagar… quem não pode, vai ao mercado negro. (Uma pista para o futuro?) e pessoas que alteram o seu corpo com todos os tratamentos quer “normais”, quer através de genética ou prostética e que permitem elevar a idade média.
O resultado ao nível das relações pessoais são pessoas com casamentos com outras com diferenças de 60 ou 100 anos de idade, cujas eventuais dificuldades físicas não existem: algum produto químico ou software resolve o assunto.
O sexo é asséptico no sentido em que não resulta dai gravidez física, mas sim filhos gerados através da genética.
A chegada dos alienígenas, (e incitados por estes também) provoca uma ainda mais acesa competição entre modeladores e mecanistas, em que os “Investidores” não querendo que uma facção tenha acesso a mais comércio que a outra jogam com os desejos de poder de ambas.
A implicação do contacto com outras raças – os Investidores revelam que tem contactos comerciais com outras 19 raças inteligentes – servindo de intermediários leva à especulação na escrita por parte de Sterling, lançando a ideia de que a raça humana, nas duas versões, estará condenada a desaparecer, tornando-se “Pós-humana” ( a ideia é lançada no conto “o enxame”).
Uma ideia de raça “Pós Humana” em que as características iniciais da espécie são diluídas, transformadas e alteradas até desaparecer a espécie; vitima das suas próprias mutações ( conceito de evolução ou desaparecimento? ).
Existe um corpo principal neste livro, e existem mais 5 contos – 5 histórias do universo modelador /mecanista no fim do livro, um dos quais ( o “Enxame”) é muito, mas muito bom.
Um livro duro de ler, difícil, desconcertante, que abana algumas certezas mesmo tendo sido escrito em inícios dos anos 80 e que será provavelmente uma obra maior de culto daqui a 50 anos – ainda maior do que já é hoje.
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