CRISE FINANCEIRA AMERICANA – A ARMADILHA DO CRÉDITO.
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A lista completa de artigos relacionados com este assunto pode ser encontrada na página da barra lateral ” Z – Crise financeira norte americana”
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Um dos temores mais subterrâneos e mais recentes relacionados com a crise financeira americana é a ideia que ainda não acabou e que irá “estourar” uma nova bolha especulativa – a bolha do crédito, isto é, a bolha do crédito concedido a particulares e empresas através do uso de cartões de crédito ou de outras formas similares.
Como começou e como se está a desenvolver ainda esta situação tem uma história. Que acontece da seguinte maneira:
Uma pessoa tem, de repente, uma súbita necessidade repentina de obter dinheiro, por exemplo, por motivos graves de doença. E usa o crédito disponível nos cartões de crédito que dispõe e que, devido a políticas comerciais generosas de concessão de crédito, nos EUA, são abundantes.
E solicita, digamos, 100 mil dólares em crédito para acorrer à doença ou ao problema súbito que a aflige e para o qual necessita de imenso dinheiro.
Até aqui, tudo normal dentro da anormalidade…
Nos EUA, quando existem dividas, a pessoa pode pedir para se declarar sob a protecção da autoridades, para se defender dos credores, sendo depois um organismo do governo a gerir as finanças da pessoa, de forma a que esta pague faseadamente aos seus credores.
Serve este exemplo para explicar que, após alguém ter sido colocado nesta situação pelos infortúnios da vida, ou por outra razão qualquer, a pessoa passe 3 ou 4 anos a pagar as dividas, até que sai do estado de insolvência e deixe de estar sob “protecção contra credores”. E passe a ser livre da divida contraída.
Nos EUA, o que ainda continua a suceder é que, após a pessoa ter deixado de ter dividas, mas continuando a ter uma situação financeira que aconselha a que entidades que concedem crédito não contactem estas pessoas para conceder empréstimos; estas pessoas continuam a ser contactadas, pressionadas, persuadidas por dezenas de entidades financeiras no sentido de voltarem a adquirir cartões de crédito, cheios de vantagens e benefícios, reais ou imaginários.
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(1) Esta pessoas continuam a ter um pobre historial de crédito, (2) continuam a ter dificuldades de pagamento de créditos por cartão, se decidirem usar esse mesmo cartão, (3) mas continuam a ser pressionadas comercialmente e publicitariamente a adquirir mais um cartão de crédito, com o qual se poderão voltar a endividar.
A pessoa colocada nestas condições, tem uma “etiqueta” colocada sobre si, que diz “alvejem esta pessoa com novas ofertas de crédito”, etiqueta essa que todas as entidades financeiras conhecem e usam e por isso, alvejam a pessoa nestas condições.
As instituições financeiras continuam a fazer isto, mesmo sabendo-se que uma das condições para a existência da actual crise financeira americana, foi precisamente a atribuição de crédito a pessoas que (1) não o poderiam nunca conseguir pagar, e que (2) não tinham nenhuma hipótese sequer de o fazer, e como tal, a (3) quem nunca deveria ter sido concedido crédito.
É a “selecção do alvo” a funcionar.
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Um pequeno exemplo de entidades que concedem crédito a pessoas que não o podem pagar consiste na instituição financeira First Premier bank.
Criou um “produto inovador” e que vende “crédito” através de um cartão de crédito especialmente concebido para as pessoas que tem uma capacidade de crédito “menos que perfeita”/ Less than perfect.
Isto é código semântico e equivale a dizer que vendem crédito para as pessoas que não tem rendimentos nem de perto, nem de longe suficientes para se lhes ser concedido crédito.
Em face do que aconteceu recentemente com a bolha de especulação imobiliária norte americana, seria de esperar que as instituições financeiras se auto restringissem e praticassem “auto regulação”.
Não parece ser o caso. Este “crédito” é oferecido através de um cartão de crédito “Platinum Mastercard“.
O que equivale a dizer que todos os “jogadores” financeiros americanos (como a Mstercard) jogam este jogo de roleta russa financeira conscientemente e sem se importarem com os riscos, dado que sabem que alguém irá injectar dinheiro na economia após ela estourar.
E que são estas pequenas coisas esquecidas – estas concessões de crédito armazenadas em nichos de mercado, que irão fazer rebentar outra pequena bolha financeira daqui a uns meses.
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As técnicas de sofisticação publicitária engendradas pelas instituições financeiras para induzirem ao crédito de qualquer forma e de qualquer lado, cresceram de duas maneiras.
(1) A primeira foi pelo aumento do número de métodos e da amplitude dos mesmos ao dispor destas instituições. O objectivo é chegar a mais lados e com mais formas e métodos diferentes de fazer as coisas; isto é, massacrar mais e durante mais tempo os potenciais adquirentes de crédito.
(2) A segunda foi pela crescente sofisticação dos métodos recorrendo à análise dos dados, incluindo análises aos dados e registos de contas bancárias e registos criminais de mais de 100 milhões de americanos. Esta mesma sofisticação depois estendeu-se à Europa; embora as leis na Europa sejam mais restritivas nestes aspectos, por enquanto…
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O objectivo é criar perfis detalhados das vidas financeiras das pessoas.
Essa informação ( os perfis) foi também usada de outra forma.
Foi vendida e revendida pelas instituições financeiras entre si, criando “pistas de marketing futuro a aplicar a consumidores” que pareçam ser apetecíveis alvos de crédito. Casas de corretagem financeiras, bancos comerciais e bancos de investimento imobiliário ou de crédito competem depois entre si pelos consumidores não “vigiados” e pelos que já foram identificados.
Após (1) obtenção desta informação (os perfis) e (2) a análise de todos estes (dos perfis) potenciais clientes, é (3) definido um padrão – um perfil do cliente – que depois, é (4) alvo de um estudo que visa oferecer uma “oferta customizada” , (5) feita e criada especificamente à medida, como se um alfaiate financeiro se tratasse, que produz o (6) fato financeiro “único” aplicável aquele “potencial cliente”.
O exemplo acima do First Premier Bank é emblemático disto.
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A técnica seguinte e o passo seguinte a desenvolver é o da venda propriamente dita do produto “customizado” para o cliente. A “acção concreta” a desenvolver.
(A) Cartas de marketing atraente aterram nas caixas de correio dos norte americanos, ou (B) funcionários do telemarketing visitam os telefones dos norte americanos.
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Adenda:
Ver Dissidente -x – Telemarketing em Portugal.
Ver “Lista robinson” – sobre como evitar uma parte do telemarketing em Portugal
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Para complementar as simples cartas e as chamadas telefónicas é necessário escolher a (C) “altura psicologicamente mais conveniente” para “martelar publicitariamente a cabeça do cliente”
Como tal, estas técnicas agressivas de publicidade são também potenciadas pela “altura” em que são “activadas”. Precedem sempre a melhor “altura do mercado” para se incentivar o consumidor para dar o “próximo passo” na sua vida.
E ocorrem porque nos EUA, existem poucas ou nenhumas restrições à venda de informações pessoais.
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Nos EUA existem negócios de informação.
Mais propriamente, empresas que se dedicam ao negócio da busca e análise de informação pessoal, financeira ou outra, e que, posteriormente vendem a bancos e empresas de concessão de crédito ou a quem queira comprar e pague por isso.
Estas “pistas de marketing” amontoadas por estas empresas em bases de dados custam muito pouco a obter – uns poucos cêntimos por lar de família.
O custo de fazer estes perfis é muito baixo e arranjar esta informação custa muito pouco.
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Esta informação depois de tratada é colocada em listas cheias de perfis de consumo dos mais variados clientes.
São as chamadas “Trigger lists”/ listas de activação. A industria troca entre si (isto é, vendem uns aos outros) as suas listas de consumidores que pediram crédito; a uma outra instituição que a queira obter.
Isto acontece porque a informação pessoal foi transformada num “Marketplace” – “um mercado de compra e venda”. Os dados pessoais de terceiros são produtos de compra e venda.
Acaso sejam criticadas, as companhias que recolhem e vendem estes dados afirmam que apenas estão a (1)”fornecer um serviços que as pessoas querem”, (2) “a dar “escolha ao consumidor”.
No entanto, como é óbvio, esta situação faz com que os bancos e empresas que concedem crédito estejam claramente em vantagem negocial perante os seus clientes.
Como aliás se pode verificar, no sitio Americans for Fairness in lending/ “Justiça na concessão de crédito”, um sitio de activistas onde se exige regulamentação a sério para a concessão de crédito e penalidades relativamente à informação pessoal e financeira das pessoas.
Mesmo na situação em que o adquirente e consumidor de crédito tenha alguns conhecimentos do assunto ou seja um consumidor mais sofisticado, aí já será bombardeado com solicitações publicitárias de outro tipo.
Por exemplo, visando fazê-lo mudar da sua actual taxa de juro fixa e mais favorável, para uma outra de tipo variável, com taxas de juro mais altas e pagamentos feitos através de cartões de crédito, criando evidentemente falsas vantagens comerciais e publicitando isso em quantidades industriais.
O pormenor interessante aqui é que devido ao facto de nenhuma regulamentação existir e a informação circular livremente, este tipo de consumidores mais “defendidos” recebe cartas publicitárias onde vem detalhadamente expostas quais as taxas de juro que paga ao banco onde tem a sua hipoteca ou pedido de crédito.
Uma entidade exterior a este processo que – teoricamente- nada devia saber do balanço financeiro pessoal da pessoa “X” sabe a situação financeira dessa pessoa.
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Sabe tudo isso porque essa informação pode ser obtida através de entidades como a “Equifax”, a “Experian”, e a “TransUnion“.
Nota 1: Isto é uma prática “Não recente”. A Equifax já existe há mais de 100 anos a recolher informação financeira e historial dos norte americanos.
Nota 2: Este é também o tipo de sociedade vigiada que se quer exportar para o resto do mundo utilizando a palavra “liberdade” como argumento ideológico – publicitário para o fazer. É, apesar de tudo, regulada através do Fair Credit Reporting Act, um simpático PDF de 86 páginas. Ligação Wikipedia AQUI
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Contudo, na ultima década, o panorama mudou.
A Informação “não regulamentada” ou “não regulada” passou também a ser oferecida (vendida) por entidades como a “Equifax”.
Antes desta “mudança de paradigma, era oferecido (vendido):
- nome
- morada
- numero da segurança social
Na ultima década foram acrescentados dados demográficos de outro tipo ( bastante mais pessoal).
- Estado conjugal;
- Numero de nascimentos na família
- currículo educacional
- tipo de carro que possuem
- serviço que televisão por cabo que aderiram
- revista que compram e lêem( por serem feitas por assinatura…)
O objectivo disto é o de categorizar as pessoas em grupo. De atribuir um determinado conjunto de características a um grupo. As bases de dados são construídas e feitas” de acordo com estes tópicos.
Exemplos:
– Uma base de dados que contenha (1) lares que façam à volta dos 35 mil dólares/ano, e (2) educação de nível secundário, (3) algumas crianças, (4) profissões de trabalhos manuais ou braçais, e (5) uma casa de valor baixo.
– Uma outra base de dados será, (1) pessoas com rendimentos à volta dos 80 mil dólares por ano, (2) que tenham filhos ou netos, (3) profissões de trabalhos intelectuais e (4) alto nível de escolaridade.
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Para criar um “perfil de consumo” as agências de concessão de crédito e os bancos compram a empresas como a Equifax estes dados.
Após o qual, e sendo os “dados trabalhados”; venderem ao grupo demográfico escolhido, o crédito.
- mesmo que o grupo demográfico escolhido não tenha hipóteses de o pagar;
- ou tendo essas hipóteses, foi-lhe mesmo assim vendido mais crédito do que deveria ter sido.
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(A) Também existem (e continuam a ser aplicadas) técnicas para vender crédito baseadas na estimativa futura de quem serão as pessoas num determinado grupo demográfico que irão necessitar de crédito no futuro, mesmo que essas pessoas ainda – elas próprias – não o saibam.
(B) Outra técnica e uma das maneiras de ver isto – de adquirir perfis de crédito – é analisar à reacção de potenciais clientes quando recebem uma carta prometendo a concessão de crédito.
Duas hipóteses
(1) O cliente rejeita e deita para o lixo;
(2) ou o cliente responde querendo saber informações?
Mesmo que não esteja interessado, o simples facto de responder é identificado pela companhia que concede o crédito como existindo ali um potencial interessado.
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Quando a pessoa responde a questionários sobre crédito, os questionários que preencheu, são, nos EUA, usados e aproveitados, mesmo que a pessoa não tenha pedido crédito.
São reunidos e organizados como informação para os bancos que aplicam a informação daí derivada em modelos estatísticos de análise.
Modelos esses que são usados para definir a “próxima vaga de ofertas de crédito a conceder aqueles clientes”.
Sem dar por isso e julgando controlar a situação, as pessoas, os norte americanos, são arrastados para um mundo desconhecido onde nada controlam e onde em tudo são vigiados.
Técnicas avançadas de criação de perfis de consumo e de consumidores, como a que se pode ver aqui ao lado da Equifax, são criadas, e desenvolvidas sendo cada vez mais complexas e sofisticadas.
O ideal é identificar os perfis de consumo, mas aqui há uma diferença.
Já não só os simples perfis de consumo, mas sim a “propensão a consumir” nos próximos 90 dias.
Para assim a empresa ( banco /casa de crédito) se “antecipar” e chegar a este potencial cliente cheio de propensão, primeiro.
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Os norte americanos são assim cercados e induzidos através de (1) software complexo e sofisticado, (2) cartas e (3) operadores de telemarketing sempre a vigiá-los em busca da altura em que poderão identificar a “propensão a surgir” para o consumo.
Isto é vendido (“como filosofia?”) como sendo “liberdade”, embora na realidade seja um mecanismo completamente totalitário criado pelo sistema financeiro.
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As empresas como a Equifax também tem mecanismos/triggers para a concessão de crédito para hipotecas de casa. Quando o consumidor pede um empréstimo para compra de casa, os bancos contactam estas 3 empresas ( ou outras do ramo) pedindo o historial do cliente – todo o historial.
Em 2005, a Experian, começou a vender estas listas de consumidores à bancos e empresas de venda de crédito. As outras duas seguíram os passos, e os bancos depois – à vez – começavam a contactar os clientes oferecendo as suas soluções.
Uma das principais empresas que fazia telemarketing “preemptivo” deste tipo era a Vision Marketing services.
Ou seja, era o “aríete” que abria o caminho através do telemarketing para a posterior venda,após se ter descoberto a “propensão para o consumo nos próximos 90 dias”.
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O cliente ficava muito espantado por lhe aparecer alguém a saber exactamente o que ele queria.
Mas isto tornou-se ainda mais complexo e pior do que apenas ser a (1) simples invasão de privacidade ou o (2) uso indevido de dados pessoais.
Os mecanismos de prevenção das necessidades de crédito/os triggers, levaram à identificação de pessoas desesperadas.
E estas pessoas desesperadas foram bombardeadas com campanhas de marketing agressivo, com produtos/casas e ofertas demasiado boas para serem recusadas e que depois se viriam a revelar um pesadelo.
Quando eventualmente criticadas por fazerem práticas predatórias, as empresas de coleccionismo de dados e os bancos e empresas de concessão de crédito ou as empresas que criam os perfis e as bases de dados utilizam uma metáfora comparativa.
Afirmam que desempenham o mesmo papel que um doente que peça uma segunda opinião a um segundo médico sobre a doença que tem. Um das companhias principais neste “negócio” é a Datawarehouse Corporation de Boca Raton, Flórida.
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