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CRISE FINANCEIRA AMERICANA – O PRÉVIO MICRO PRECEDENTE DA ENRON

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A lista completa de artigos relacionados com este assunto pode ser encontrada na página da barra lateral ” Z – Crise financeira norte americana”

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Em finais do ano 2000, a empresa norte americana Enron, era a sétima maior empresa dos EUA, avaliada em 70 biliões de dólares.

O “negócio principal” da Enron era a produção de energia eléctrica. Os dois “líderes” da companhia eram Ken Lay e Jeff Skilling. Paralelamente à produção de energia eléctrica, a Enron, no ano 2000, já se dedicava fortemente ao negócio dos futuros.

Comprava e vendia quantidades de energia a produzir a preços marcados hoje, mas para serem realizados os negócios a vários meses ou anos de distância, sendo adquiridos hoje pelos compradores. Tinha negócios na área da Internet (o lançamento da banda larga nos EUA), construía centrais de produção de energia eléctrica na Índia e em vários lugares dos EUA…

A Enron era apresentada a todos e tinha criado uma imagem de si, como uma empresa demasiado poderosa para cair. O Titanic ao contrário.

Existiram vários aspectos bizarros na Enron desde o inicio. (1) Tinha fortes ligações ao poder político – tinha sido a maior empresa a contribuir para a primeira campanha presidencial de George Bush. (2) O que levantou a suspeição de que a decadência da empresa foi “politicamente ocultada”, por via disso.

George Bush era amigo pessoal de Ken Lay, o CEO da Enron e chamava-lhe como alcunha,” Kenny Boy…”, uma alcunha que apenas a mulher de Ken Lay usava.

De 1997 a 2001, Ken lay auferiu na Enron, 300 milhões de dólares. Isto mostra também, a magnitude do negócio e como o dinheiro em circulação era alto e como isso motivava os gestores para continuarem a fazer mais dinheiro e para “falsificarem dados ao mercado” se fosse caso disso.

– Quando a Enron estava com imensos problemas, alguns meses antes de as coisas terem “rebentado”, em 2001, os gestores que estavam por dentro dos esquemas da Enron, venderam as suas acções – muitas das suas acções. Jeff Skilling vendeu 66 milhões de dólares em acções uns meses antes.

Andrew Fastow, o chefe principal de contabilidade, vendeu só 30 milhões em acções, mas aproveitou para ganhar outros 30 milhões em negócios laterais.

– Alguns dias antes da falência iminente, imensas quantidades de documentos da empresa foram mandadas triturar pelos responsáveis, para impossibilitar que se soubesse exactamente como e para onde tinha ido o dinheiro.

O resultado da falência foi:

  • 20.000 funcionários perderam os seus empregos.
  • 2 biliões de dólares em fundos de pensões e reformas perderam-se.

Ken lay ao ter trabalhado na área federal relacionada com a regulamentação/desregulamentação de mercados nos anos 70, tinha conhecimento “por dentro” dos mecanismos do governo federal usados para fazer regulação de mercados.

Munido desse conhecimento e sabedor que a “maré estava a mudar”, (a eleição de Ronald Reagan em 1980…) Lay, precipitou-se a fundar a Enron, em 1985, juntamente com dois homens de negócios do petróleo texano, chamados George Bush Sénior e George Bush Filho.

George Bush Sénior (vice presidente de Reagan), ajudou no inicio da Enron, com subsídios governamentais que promovessem a capacidade da companhia em prosperar e ajudou a promover “politicamente” Ken Lay a um posto não oficial de “embaixador das desregulamentações”.

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Prévio à queda da Enron: o escândalo Valhalla.

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Ainda da mesma notícia:

Enron’s first crisis ensued after two traders in the Enron International Oil Inc. unit in Valhalla, N.Y., incurred $85 million in losses by making risky, and ultimately disastrous, bets. The debacle erased half of Enron’s profits for the year. It could have led to the meltdown of the company if not for a bold and ultimately successful trading bluff by another executive. (Mike Muckelroy – nota minha)

Tradução a martelo: “A primeira crise da Enron ocorreu quando dois corretores da Enron International situados em Valhalla, Nova Iorque, originaram 85 milhões de dólares de perdas ao fazerem apostas arriscadas e em ultima análise desastrosas. Poderiam ter levado ao desastre completo da companhia se não fosse pelo bluff negocial feito por um outro executivo da companhia.( Mike Muckleroy…)

Em 1987, a divisão de negócios de petróleo da Enron fez uma “aposta” investindo dinheiro da empresa no mercado de futuros de petróleo apostando sobre se os preços subiriam ou desceriam.

O negócio de compra de futuros de petróleo é um negócio de alto risco, onde se pode perder e ganhar muito dinheiro. Mike Muckleroy, um executivo da Enron na altura, avisou Ken Lay das tremendas perdas que se poderia ter nesse negócio e do que se estava a passar com a divisão dos mercados de futuros.

Após ter sido avisado, Ken Lay ficou impávido e sereno. A divisão de compra de futuros no negócio do petróleo era a única área da companhia, dos negócios combinados da companhia que dava lucro.

Louis Borget, o presidente da companhia, responsável pelos mercados de futuros, estava a manufacturar resultados…

A “coisa” despoletou pelo seguinte: Louis Borget e Thomas Mastroeni, os dois principais negociadores de petróleo da Enron estavam a fazer negócios que criaram desconfianças dentro da Enron.

A Enron era o resultado da fusão em 1985 das companhias “Houston Natural Gás” + “Internorth, Omaha” e os executivos da Internorth estavam desconfiados das acções destes dois corretores. (Ken Lay era CEO da Houston Natural Gás…e posteriormente tornou-se CEO da Enron e rebrandizou a marca…)

Paralelamente a estes desenvolvimentos, em 1987, a companhia que resultou desta fusão, a Enron, estava a lutar com perdas financeiras e preços do gás em colapso.

Logo a “oportunidade surgiu” para se fazer dinheiro de forma ilícita.

Borget tinha retirado mais ou menos 3 milhões de dólares das contas da Enron, e tinha os metido em contas pessoais. A partir daí foi só um pequeno salto para as contas Off-shore, para a contabilidade falsa, com livros de contabilidade duplicados.

Após várias peripécias e uma auditoria, (motivada pela desconfiança de alguns dos executivos – a parte da Internorth-Omaha) os auditores informaram Ken Lay que Borget e os seus corretores de confiança, estavam a destruir os registos diários de compra e venda de futuros no petróleo, manipulavam lucros apresentados e (o perigo último) estavam a investir muito para lá dos fundos que a Enron de facto tinha, jogando com dinheiro que não existia.

Lay nada fez.

Os corretores não foram despedidos nem alvo de processo disciplinar. Na época a Enron enviou um Telex a Louis Borget (da parte de Ken Lay) dizendo: “continue a fazer-nos milhões”.

Mike Muckelroy, perante a dimensão do desastre que se adivinhava, com posições “a descoberto” no mercado (isto é, tendo de cobrir perdas financeiras e não tendo o dinheiro, ou aproximando-se a data de vencimento de contratos de futuros), perseguiu Borget, e quando o apanhou, explicou-lhe que lhe rebentava a cabeça a tiro, ou em alternativa explicava a situação a um sócio de Louis Borget, um traficante de armas alemão, que não ficaria contente com a situação – se Borget não apresentasse os livros de contabilidade verdadeiros.

Louis Borget, no dia seguinte a Mike Muckelroy ter tido com ele esta conversa apresentou os livros verdadeiros.

Mike Muckelroy conseguiu, já possuidor das contas verdadeiras, e sabendo com o que contava, “iludir ” o mercado”, e sair dos negócios de futuros, sem grandes perdas – sensivelmente uns 80 milhões de dólares. (metade dos lucros da Enron nesse ano…)

Ken Lay declarou sempre que não possuía conhecimento dos negócios de Louis Borget e de Thomas Mastroeni.

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Após o escandalo Valhalla, Ken Lay ficou colocado perante um problema: como fazer dinheiro para suportar as perdas que a empresa continuamente tinha, colocada perante uma situação em que o negócio principal que fazia – extracção e comercialização de gás para posterior venda – estava com preços em queda?

Precisava de “um homem com uma ideia”, isto é, Jeff Skiling, que foi contratado como novo CEO “operacional”.

Atrás de Skilling vieram novos personagens, como Andrew Fastow.

Nos finais da década de 80, princípios da década de 90, os mercados de energia norte americanos foram desregulamentados.

O desafio da Enron era o de (1) estar cotada em bolsa; (2) entrar em bolsa de uma maneira forte que atraísse investidores que colocariam mais dinheiro na empresa e esta, por via disso (3) poderia aumentar investimentos a realizar; (4) sem sacrificar a sua credibilidade com a agências de credito (especialmente a Moody´s, a Fitch, e a Standard and Poor´s), (5) pelo facto de todas estas operações financeiras trazerem para os livros de contabilidade demasiadas dividas (e assim prejudicarem a credibilidade da empresa junto das agência de crédito e afastarem investidores, pelo facto de a empresa parecer ser “pesada”)

Andrew Fastow tornou-se o homem que iria criar a complexa arquitectura contabilística da Enron, para “mascarar os livros”. Fastow contratou jovens bancários ambiciosos e uma das tarefas que lhes deu (para fazer dinheiro) foi a de comprarem e venderem “capital de risco” em largas quantidades.

Fastow era o génio do Power point e do Excel, mas pobre a gerir pessoas – era apenas muito bom a criar uma arquitectura complexa de livros de contabilidade e empresas interligadas entre si, e a gerir toda essa interacção.

Jeff Skilling, o CEO “operacional” era a cabeça estratégica por detrás deste negócio. Ken Lay era o “topo”.

A lógica estratégica deste negócio, estava na transformação de uma empresa assente nos elementos físicos do negócio (os pipelines, os tubos de gás,etc) para uma cultura empresarial assente num negócio virtual de compra de produtos virtuais – quantidades de gás e energia comprados agora e de uma forma especifica, e revendidos depois quando os consumidores quisessem adquiri-los.

Para tal Jeff Skilling criou a Enron Online

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A Enron Online visava criar uma mercado online de venda e compra de energia. Mas não só.

Podia-se comprar e vender – como se se estivesse dentro de um mercado de acções – mais de 500 produtos. Isto feito – também – pelo consumidor directamente. Gás e energia eram alguns dos produtos, mas também, derivativos de crédito e crédito bancário (onde se incluiriam hipotecas e o risco das mesmas também vendido…bem como a venda de crédito), metal, papeis, tempo comercial de televisão, etc…

Esta “loucura” era intensificada pelo facto de – nos negócios reais da Enron; aqueles sistemas vivos (os pipelines, as centrais de produção de energia), nesses a Enron não estava a fazer dinheiro suficiente para estancar as perdas.

E tudo isto, paralelamente misturado com a Enron a operar, no mercado de acções (futuros) com correctores de bolsa próprios, assentes numa cultura darwinista de fazer negócios (eu espezinho-te, se isso me garantir um bónus de mais 5 milhões de dólares por ano…)

Skilling era o mestre estratégico. E Fastow?

Fastow aparece nesta história, porque Ken Lay contratou-o em 1990.

E de onde o contratou?

Do banco Continental Illinois National Bank, um banco de Chicago, que em 1984, foi à falência.

Este banco dedicava-se, especialmente, a fazer empréstimos a produtores de petróleo e companhias do sector, mas devido a más práticas de verificação dos negócios a quem emprestava, faliu.

Fastow trabalhava aí e possuía competências que Ken Lay queria: nomeadamente “asset securitization”, a já famosa securitização de bens, em que o “risco” é vendido por bancos mas esse risco é “apoiado” por hipotecas ou outro tipo de obrigações.

Era para esta área que Ken Lay necessitava das habilidades de Fastow, uma vez que a Enron, ao fazer negócios de futuros no negócio da energia ia por aqui.

Fawtow criou as “special purpose entreprises”, empresa com funcionamento especial e com objectivos de retorno financeiro muito elevados.

A ideia era conseguir obter investidores, que em troca de retornos generosos (mais de 50% de retorno e para cima) investissem nestas empresas e uma parte disto seria obviamente (comissões e lucros) para colmatar as perdas da Enron.

Os problemas começaram a avolumar-se, porque Jeff Skiilling exigia cada vez mais “SPE´S ” para aumentar o dinheiro, e colmatar perdas.

À medida que os volumes de negócios aumentavam, mas os retornos eram cada vez mais pequenos, e onde inicialmente eram os bens por detrás dos investidores que garantiam os negócios, a coisa passou a ser as acções da Enron e os bens desta a garantirem a viabilidade do negócio.

Ou seja, passar a ser “uma garantia de papel” tal qual o que se passou na recente crise financeira americana” o que realmente emergiu destes “negócios”.

A Enron tornou-se progressivamente “a garantia de si mesma”, e tornou-se uma empresa que tinha forçosamente que ter acções cotadas sempre em constante subida, para com isso tranquilizar os investidores. (e “forçar” a que mais e mais pessoas nela investissem)

De toda esta embrulhada de negócios paralelos, muito deles virtuais, e alguns reais, chega-se à lógica existente na actual crise financeira.

Ou seja: a lógica da “securitização dos bens” e a venda de garantias (isto é , do risco associado a elas, por bancos) já tinha tido muito exemplos prévios, destas formas desastrosas de fazer negócios, mas neste caso, feito por uma empresa que não era um banco, mas tentou-se transformar num banco, com múltiplos negócios misturados e contabilidade criativa.

O que indica que o problema não são as pessoas e a sua eventual (e verdadeira corrupção) mas sim o sistema financeiro.

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Written by dissidentex

10/12/2008 às 16:00

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