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LIVRO – GLOBALIZAÇÃO:AS CONSEQUÊNCIAS HUMANAS – ZYGMUNT BAUMAN
Artigo Extenso
Livro de Zygmunt Bauman, sobre a globalização, fornecendo-nos um “mapa”sobre a mesma. O livro é, em alguns aspectos ligeiramente datado, mas, apesar disso, resiste ao tempo e ajuda a explicar muita coisa.
Edição Brasileira. JORGE ZAHAR Editores, uma editora Brasileira, 1999, 146 páginas.
É um livro que apresenta uma perspectiva da globalização, mas orientado para mostrar várias dimensões da mesma. Olhando para a época em que foi escrito e olhando para a realidade actual torna-se um exercício curioso de análise comparativa do que era uma certa visão, e do que é o mundo actual.
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TEMPO E CLASSE
No primeiro capitulo Bauman analisa a ideia de mutabilidade, mudança, alteração na percepção de como nós actualmente vemos o tempo e o espaço em plena era de Globalização.
- Como isso influi na organização social;
- Como é visto o tempo e o espaço por diferentes classes sociais e profissionais.
Tal “visão” leva ao conceito de “proprietário- ausente”;uma entidade “patronal” ou um “profissional” que já não necessita ou é obrigada (os privilegiados dentro deste novo sistema) a ficar parada geograficamente/fisicamente no mesmo espaço, antes move-se ao redor do mundo.
Este conjunto de privilegiados obteve (1) liberdade de movimentos – que origina – a (2) “não responsabilização” pelos (3) actos do que faz, precisamente pela capacidade de mobilidade dos movimentos.
Cita Albert J.Dunlap”
“…a companhia pertence às pessoas que nela investem- não aos seus empregados, fornecedores ou à localidade em que se situa” – Página 13.
Tradução: que os empregados, fornecedores, e os porta vozes da comunidade (o poder político?) não tem voto na matéria relativamente às actividades da empresa.
A mensagem não é uma declaração de intenções, mas uma afirmação de facto.
Efeitos 1: os centros de decisão foram alvo de uma guerra e essa guerra originou o deslocamento deles, para uma dimensão livre de restrições territoriais ou restrições de localidade.
Efeitos 2: os empregados são recrutados na população. Tem responsabilidades pessoais e familiares; não podem mover-se, seguindo a companhia quando ela muda de lugar. Os fornecedores tem que entregar a matéria prima e os custos locais de transporte dão uma vantagem ao fornecedor local que desaparecem assim que a companhia muda. A localidade fica onde está.
Só quem investe na companhia – tem “voz” – é que não está preso no “espaço físico”. Pode fugir às consequências dos seus actos (fechar uma fábrica num local e abrir noutro.) (Segundo esta interpretação doentia dunlapiana das coisas)
O espaço e o tempo são novas dimensões. A distância já não importa – mas apenas para os privilegiados.
A nova velocidade/nova polarização emancipa alguns seres humanos.
“Alguns podem mover-se para fora da localidade – qualquer localidade – quando quiserem. Outros observam, impotentes, a única localidade em que habitam movendo-se sob os seus pés” – Página 25
Pontos:
– segregação espacial entre quem está confinado e quem nada mais faz do que mover-se;
– Novas concepções de espaço e de tempo, e concepções diferentes quer seja uma pessoa que se move, ou não.
Bauman considera que essa nova dimensão/percepção do espaço e da geografia confere novas características aos processos de exclusão social:
– uma ruptura completa da comunicação entre as elites – que são extra territoriais – são “globais” e a população “normal”. Esta população é cada vez mais “localizada” e impossibilitada de se mexer.
Consequências:
A elite extraterritorial não sente os espaços geográficos onde nasceu; por exemplo, como sendo algo que lhe diga respeito. O sentido de comunidade (e de interesse pela comunidade) desaparece na elite.
Os centros de decisão (a capital, o governo, etc) estão longe, mas as consequências das tomadas de decisão desses centros de decisão caem directamente em cima das populações “localizadas” que estão impossibilitadas de se mexerem.
Consequências 2
O “poder” passa a ser livre para explorar, sem temer quaisquer tipos de consequências por fazer isso.
Bauman conclui que essa mobilidade não pressupõe que as comunidades “localizadas” tenham tolerância ou aceitação perante isto ou as desenvolvam como conceitos a utilizar…
GUERRAS ESPACIAIS
No capítulo 2 Bauman explica a batalha dos mapas. Estabelece a diferença entre poderes pré modernos e pós modernos. O estado pré baseava-se numa ideia de auto protecção das populações que se agrupavam em sítios e se protegiam de forças estrangeiras ou estranhos,da possibilidade de um ataque.
Para recrutar soldados ou colectar impostos, o Estado pré moderno quase que os pilhava aos seus habitantes. Tal também era feito para tentar uniformizar a cobrança. O Estado pré moderno privilegiava colectividades em vez de indivíduos, devido à multiplicidade de formas de individuais e comportamentos (tentando assim padronizá-las).
O mapa tinha que ser ganho e tinha que ser uniformizado, de acordo com os desejos /necessidades do Estado pré moderno.
“… Um aspecto decisivo do processo modernizador foi portanto a prolongada guerra travada em nome da reorganização do espaço. O que estava em jogo na principal batalha dessa guerra era o direito de controlar o ofício de cartógrafo”. – Página 37
Isto num Estado pré moderno a fazer o salto para se tornar moderno. O espaço social tinha que estar subordinado a apenas um “mapa” (não só entendido de forma geográfica) oficialmente aprovado pelo governo desse mesmo espaço.
O que Bauman considera que existe actualmente é?
“… O ponto de gravidade na organização espacial mudou então da pergunta “quem ?” para esta outra “de que ponto no espaço?”
Introduz duas teorias:
– Michel Crozier: “os conceitos de posição dominante pela burocracia que consegue impor a sua acção a terceiros e a tornam opaca” (Ver artigo Dissidente-x: Asae e a Burocracia — Ver Asae e Rock in Rio mais o jornalismo que temos—
– Michel Foucault – conceito de panoptico – “Uma torre central” onde um supervisor observa a sociedade, sem esta o ver ou sentir sem esta nunca saber se o supervisor está activo ou não. Ver artigo Dissidente-x – “Panóptico – a atracção pelo Totalitarismo”.
Escreve muitas páginas posteriores fundamentando isto e explicando por exemplo escolas de arquitectura e as suas concepções de planeamento de cidades (especialmente o arquitecto Le Corbusier).:
Explica a agorafobia: Onde antes as cidades eram construídas visando impedir estranhos de entrar, são agora construídas visando impedir estranhos de ficar, os concidadãos indesejados.
Exemplos das comunidades americanas – página 54
“a suspeita em relação aos outros, a intolerância face à diferença, o ressentimento com estranhos e a exigência de isolá-los e bani-los, assim como a preocupação histérica, paranóica com a “lei e a ordem”, tudo isso tende a atingir o mais alto grau nas comunidades locais mais uniformes, mais segregadas dos pontos de vista racial, étnico e de classe.”
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APÊNDICE sobre EUA – Artigo Dissidente-x chamado “Planeta americano”
No capitulo 4 – A soberania do capital – Verdu explica que os “Pais Fundadores” acreditaram na existência, isto é na possibilidade da criação de novo de uma sociedade que “rebentaria” com as hierarquias europeias – as sociedades hierárquicas de tipo europeu existentes nos séculos 17 e 18. Mas, acrescenta Verdu, tal ideia fracassou miseravelmente uma vez que, quer a passada e actual dinâmica de acumulação de capital desmente isso. O igualitarismo – ideia utópica dos pais fundadores – é desmentido pela acumulação de capital e os pobres são vistos como excrementos do sistema. Como dejectos. É uma lógica de Darwinismo misturada com sorte que existe e é considerada como sendo, realmente, a filosofia dos pais fundadores.
No capitulo 5 – O medo do crime – Verdu explica que o crime é elevado devido a desinvestimento no seu combate e prevenção, e como o sistema social é organizado de forma darwinista – isso obviamente conduz ao crime. Que serve por sua vez de oportunidade para vender sistemas de segurança (a mentalidade de empresário, de vender em comprar surge aqui) – sendo o Lar uma fortaleza. Equipada como tal……
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Bauman chama ao panóptico actual, as bases de dados.
Artigos Dissidente -x
(A) Chip electrónico automóvel
(B) Relatório minoritário fiscal
(C) Médicos de clínica geral defendem cruzamento de dados
(D) Cartão electrónico escolar
Defende ainda que ao Panóptico se juntou o “Sinóptico”.
Muitos vigiam poucos. O sinóptico é global. (Os quatro posts acima indicados são um exemplo de uma mistura “sinóptico/panóptico” – de uma tendência)
No panóptico inicial, alguns habitantes seleccionados vigiavam os outros; no Sinóptico os habitantes locais vigiam os globais.
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Estas concepções acima expostas levam à intolerância.Bauman tenta explicar as causas da intolerância:
“…a uniformidade alimenta a conformidade e a outra face da conformidade é a intolerância. Numa localidade homogénea é extremamente difícil adquirir as qualidades de carácter e habilidades necessárias para lidar com a diferença humana e situações de incerteza; e na ausência dessas habilidades e qualidades é facílimo temer o outro, simplesmente por ser outro – talvez bizarro e diferente, mas primeiro e sobretudo não familiar, não imediatamente compreensível, não inteiramente sondado, imprevisível” Página 55
DEPOIS DA NAÇÃO ESTADO, O QUÊ?
No capítulo 3 é descrita a nova divisão entre Estado e economia. Tudo isso é relacionado, com exemplos, com as deslocalizações de empresas da Europa, para a Ásia. E é relacionado com um sentimento difuso, mas real de que “tudo está a fugir ao controlo”.
(1) Fugindo ao controlo é a tradução da palavra (2) Globalização. E Bauman questiona se deveremos ser Globalizados ou Universalizados.
Define o que era Ordem (antes) e um Estado dotado dela:
...”ordenar um sector do mundo passou a significar:estabelecer um estado dotado de soberania para fazer exactamente isso. (Define a concepção de Max Weber como o Estado sendo o agente que tem o monopólio dos meios de coerção…)
Mas explica que, com a actual morte ou tendencial morte do Estado soberano, despido de muitas das suas “capacidades” de impor ordem dentro do seu espaço, isso – paradoxalmente – gerou Estados que tentam desistir dos seus direitos soberanos, mas de forma não forçada.
- Pretendem que a sua soberania seja dissolvida em entidades supra estatais( Exemplo, UE).
- Existem estados ou etnias que já estavam esquecidas e que pretendem passar a ser um Estado.
- Novas e velhas nações que escaparam a dependência da URSS, e após escaparem resolveram dissolver a sua independência na Nato e na UE.
Paradoxalmente, foi a morte da soberania do Estado, não o seu triunfo, que tornou tão popular a ideia de condição estatal.
Tal leva a situação em que o “Estado é o novo expropriado”.
Página 73 “…A globalização nada mais é que a extensão totalitária de sua lógica a todos os aspectos da vida”. Os estados não tem recursos suficientes nem liberdade de manobra para suportar a pressão – pela simples razão de que “alguns minutos” bastam para que empresas e até estados entrem em colapso”.
Bauman defende que no futuro, (Este livro foi escrito em 1998/99) irão existir cada vez mais Estados e cada vez mais fracos; (Exemplo:Kosovo) isto é, irá existir uma tendência para a existência de territórios ou populações que quererão a independência e o capital extra territorial não está contra essa tendência.
Todos tem interesses adquiridos nos Estados que são fracos, precisamente pelo facto de estes ao serem fracos poderem proporcionar irrestrita liberdade de movimento.
Pagina 75/76 – “Abrir de par em par os portões e abandonar qualquer ideia política económica autónoma é a condição preliminar, dócilmente obedecida, para receber assistência económica dos bancos mundiais e fundos monetários internacionais.
Na parte do capítulo, chamada “a hierarquia global da mobilidade” Bauman avança para a teorização segundo a qual uma ideia de substituição de Estados Fracos por entidades legislativas globais (Exemplo: ONU, UE) será algo de mau, para o poder económico.
A fragmentação política e a globalização económica são nesta acepção “aliados”.
O que gera uma “nova hierarquia sociocultural à escala planetária” – página 78 – conceito de “Glocalização”
Bauman fala dos meios de comunicação mundiais e de como a maior parte dos pobres não tem a eles acesso e de como – também – estes meios divulgam a existência de pobres num local (a Ásia, por exemplo) mas também divulgam a existência de crescimentos económicos brutais nesses locais.
É criada uma ideia de que
(SÓ A) Pobreza = a fome ( página 81)
Mas os outros aspectos complexos da pobreza são “abafados” . (péssimas condições de vida, analfabetismo, agressão, famílias destruídas, coesão social destruída ou enfraquecida)
TURISTAS E VAGABUNDOS
É um capítulo dedicado ao movimento e à noção de que hoje em dia todos estamos em movimento. Quer quando estamos fisicamente parados, quer não.
E Bauman define o que é ser consumidor numa sociedade de consumo, mas estando em movimento como esta o é.
Em como o que actualmente se pede, (1) não são exércitos de cidadãos que são produtores de bens, como numa sociedade industrial do século 19, (2) mas sim cidadãos consumidores, mas consumidores de um tipo muito especial.
“O que realmente conta é apenas a volatilidade, a temporalidade interna de todos os compromissos,; isso conta mais que o próprio compromisso…”
A lógica que está por detrás é:
- Sente-se mal?
- Então, consuma qualquer coisa.
- Será aliviado do seu mal estar, se consumir.
É um consumidor sempre avido de novas sensações, mas enfastiado com elas mal as obtém – uma pessoa/consumidor em movimento.
(Nota. o que ajuda a explicar o sucesso da pornografia, entre muitos outros exemplos…)
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Movemo-nos divididos significa que:estamos a viver num mar aberto, sem sinalização que nos indique o caminho.
Ou (1) nos alegramos com isso, ou (2) morremos de medo. A terceira opção; escolher um (3) porto seguro, não existe. Caso escolhamos um porto seguro, alguém aparece e o vai modernizar…
As duas primeiras opções não são escolhas livres.. podem ser escolhas livres ou podem ser impostas.
Página 94 – …Todo o mundo pode ser lançado na moda do consumo;todo o mundo pode desejar ser um consumidor e aproveitar as oportunidades que esse modo de vida oferece. Mas nem todo o mundo pode ser um consumidor…”
Bauman dá dois exemplos extremos disto:
- o turista
- o vagabundo
– O turista é um privilegiado especial que conquistou o prémio da mobilidade. O turista apenas tem a frustração de pensar que pelo facto de estar agora, aqui, neste lugar, não pode estar ou noutro lugar outro lado. O turista vive “ansioso” pela nova experiência.
- Mas movimenta-se porque quer, como quer e quando quer.
– O vagabundo é o alter ego negativo do turista. É um consumidor frustrado. Apenas se movimenta porque é empurrado pela necessidade de experiência. E mesmo assim tem severas restrições. Os seus sonhos são apenas um emprego qualquer, uma tarefa humilhante para os turistas.
Pareceu-me que Bauman cria uma metáfora aqui, designando por turistas as pessoas com extrema mobilidade, e por vagabundos e não em sentido depreciativo, 80% dos cidadãos.
Como parece que isto é a pós modernidade – no actual contexto histórico – Bauman explica que isto apenas vai criar cada vez mais exclusão social.
Para combater a exclusão social surge a “mensagem mitológica”:
– Novas exigências e qualificações no mundo do trabalho.
Que por sua vez geram outra “mensagem mitológica” que dá como resultado:
– a estrutura educativa não consegue acompanhar a constante mudança no que se quer, relativamente ao emprego o que por sua vez gera – mais desemprego.
Existe a condição de pós modernidade, mas a exclusão total dessa condição – carimbo aplicado a inúmeras partes da população – gera uma sub classe. Indivíduos que estão fora e dentro, não conseguindo vincular-se as estruturas de comunicação, e informação, nem como produtores, consumidores ou utilizadores.
E as estruturas e “mensagens mitológicas” não resolvem o problema…
LEI GLOBAL, ORDENS LOCAIS
No último capitulo, Bauman pega em Pierre Bordieu, e na reacção visceral que este teve em 1996, quando viajava de avião ao ler as palavras do governador do banco central alemão…que disse qualquer coisa como:
“o que está em jogo hoje em dia é criar condições de confiança para os investidores”.
(o resto que se lixe,acrescento eu…e como se pode ver o resto em 2008 é “A crise financeira americana- as razões”)
Onde foram criadas “condições “de confiança para os investidores e estes rebentaram com a economia mundial”
E chega à ideia do que se quer que o Estado seja – uma unidade a duas dimensões – um Estado social Bifurcado.
Uma bifurcação:
– Estado social que prevê garantias mínimas de segurança para a classe média;
Outra bifurcação:
– Um Estado cada vez mais repressivo que ataca os efeitos cada vez mais violentos sobre e da população que esteja em condições mais precárias.
O que origina a ideia de Estado social Bifurcado é o seguinte “discurso neo liberal” – O mercado de trabalho é rígido, tem que ser flexível, dócil, maleável, fácil de moldar – transformado em variável económica:
Mas esta ideia de agilização do mercado esconde uma natureza de poder e de relação social.
O que leva à condição de assimetria, entre o lado que é alvo da condição de flexível, que não tem nenhumas opções de movimentação – está “parado” na sociedade” e o outro que decide mover-se quando e como quer.
Na parte do capítulo chamado “Fábricas de imobilidade; Bauman desconstrói o estudo citado por Bourdieu sobre as prisões da Califórnia.
Ideias base:
– A soma do dinheiro dedicado às construções e manutenção de prisões é maior nesse estado do que a soma do dinheiro destinado a todas as instituições do ensino superior.
– A prisão é usada como forma de confinamento espacial- panóptico.
O método é: o isolamento dos presos. Físico e psicológico.
A ideia é criar uma lógica social, segundo a qual, os actos que não são crimes, mas são (1) indesejados ou (2) vivem na ambiguidade dos comportamentos são equiparados a crimes. (por exemplo, o que ocupa casas vazias ser preso, ou o homossexual estar ano limite de banimento, como sentimentos “divulgados”, segundo esta lógica aqui descrita).
Daí ser “necessário” uma lógica de isolamento – isto e – de afastamento psicológico da parte do cidadão que detesta (ou julga que detesta) os actos ambíguos que não são crimes, mas que, incomodando-o, este deseja que o Estado os puna e prenda pessoas mandando fora a chave. Afastando as pessoas fisicamente e psicologicamente.
O poder económico vê nisto uma oportunidade, para capitalizar e atemorizar ainda mais a generalidade da população; quer os que são presos quer os que não estão.
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Bauman avança para o terreno do concreto e oferece o exemplo da prisão americana de Pelican Bay, totalmente automatizada, e onde cada preso não tem contacto com os outros, e pouco com os guardas. Existe a dimensão de (1) panóptico, misturada com a dimensão de (2) eficiência empresarial. Que depois é utilizada como “argumento de venda” através da palavra “Produtividade”.
Notas: o panóptico inicial visava disciplinar pelo trabalho. Eram “fábricas de trabalho disciplinado”. – Página 117.
Notas: já o “Sinóptico” actual é o seguinte:
Página 119 – Outrora ansioso em absorver quantidades de trabalho cada vez maiores, o capital hoje reage com nervosismo às notícias de que o desemprego está diminuindo;através dos plenipotenciários do mercado de acções, ele premeia as empresas que demitem e reduzem os postos de trabalho.
Nessas condições, o confinamento não é nem escola para o emprego nem um método alternativo compulsório de aumentar as fileiras de mão de obra produtiva quando falham os métodos “voluntários” comuns e preferidos para levar à órbita industrial aquelas categorias particularmente rebeldes…
Nas actuais circunstâncias, o confinamento é antes uma alternativa ao emprego, uma maneira de utilizar ou neutralizar uma parcela considerável da população que não é necessária à produção e para a qual não há trabalho”ao qual se reintegrar…”
Na parte do capítulo chamada “Prisões na idade da pós correcção” são analisados os problemas em que na maior parte dos países os orçamentos prisionais aumentam e o número de novas prisões é construído.
Bauman conclui que isto é uma política estatal/ideológica definida, mas também porque o que é agora considerado como sendo “males” foi reclassificado – gerou o aumento do número de coisas consideradas como sendo “males” – e logo gerando mais pessoas passíveis de “serem presas”
(Em Portugal isto manifesta-se de forma diferente; aqui o que aumenta são as coimas e o tipo de coisas antes não abrangido pelas coimas e agora já abrangido…)
Isso gera aumentos de tensão social e a ideia de “retirada para um porto seguro (que não existe) o que, por sua vez gera mais tensão…
Na parte do capítulo chamado “Segurança:meio palpável, fim ilusório”, Bauamn afirma que reduzir a questão da segurança apenas à questão da segurança pessoal tem vantagens políticas.
Página 127 – “…O efeito geral é a autopropulsão do medo.
Página 130 “…Que por sua vez aguça ainda mais a figura ambígua e imprevisível do estranho…”
E o culminar disto é a parte do capítulo chamada “o fora da ordem”
Página 131 –” …Hoje sabemos, escreve Thomas Mathiesen”, que o sistema penal ataca a base e não o topo da sociedade…
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Quem conseguiu chegar aqui e ainda está vivo, parabéns…
Written by dissidentex
09/10/2008 at 15:21
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CENSURA NO AUDIVISUAL. EUA. (2)
No primeiro artigo “Censura no audiovisual. EUA (1)” falou-se de:
- MPAA e o sistema de classificação de filmes;
- A forma como a classificação é feita;
- o caso da realizadora Kimberley Pierce.
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( Continuação) Kimberley Pierce interrogada relativamente aos problemas que teve para ver o seu filme classificado explica que:
tendo em conta que o conceito de orgasmo é maioritariamente definido por homens e os realizadores são quase todos homens, as visualizações cinematográficas são quase todas vistas sob um ponto de vista masculino. A ideia de que, nesse contexto a ideia do prazer feminino será vista como algo redutor.
No decorrer do documentário, percebe-se que este assunto das classificações e questões como esta, de mostrar ou ao orgasmos nada tem directamente que ver com prazer feminino. O que se nota ao continuar a ver o documentário é que existe uma perspectiva religiosa de poder por detrás destas subtis actos de censura e de negação às mulheres do prazer feminino.
A partir desta lógica, da percepção desta lógica (e de outras) na classificação de filmes, passa-se para outros depoimentos de muitos outros realizadores, relacionados com outros assuntos, mostrando-se uma série de realizadores que tiveram ou filmes censurados, ou filmes aos quais tiveram que amputar parte, apenas para não receberem NC-17.
Uma realizadora queixa-se que foi discriminada por fazer um filme gay, outro que lhe disseram para remover tudo que tivesse um dildo, e outros perguntam onde está a definição legal do que é NC-17 E “R”. Ainda um outro pergunta porque não lhe podem dar uma lista de exclusões – mas no inicio do filme…
Uma cena cortada apenas o é, porque é uma cena onde se insinua que uma das raparigas se vai enroscar nas pernas de outra rapariga.
Num outro filme, o corte que foi feito tinha a absolutamente estonteante quantidade de 3 segundos.
Menciona-se que os membros da MPAA dizem aos realizadores que estes não tem que aceitar a classificação; que não é obrigatório…
Uma das formas como esta classificação categoriza e classifica os filmes assenta na seguinte dualidade:
- Os filmes são classificados antes de serem lançados.
- Os filmes não são classificados por quem os faz.
Quem faz a classificação permanece secreto. Um grupo de pessoas que se reúne numa sala e…classifica. Isto é a essência do totalitarismo aplicado a um produto-serviço que a todos interessa precisamente porque após classificação, não existe justificação técnica ou outra, publicada e acessível a todos que explique as razões da classificação.
É uma vitória da burocracia. Nos EUA isto é tolerado e aceite como “normal” apenas porque é feito por uma associação de empresas privadas. Como se isso ilibasse do totalitarismo latente que se observa nesta lógica….
Feito por empresas privadas ou entidades públicas são os métodos aqui usados que são totalitários e que prejudicam pessoas, artistas, público e impõem (servem para impor) uma dada visão do mundo. Em vez de ser o “mercado” – ou seja os gostos das pessoas.
Conforme o senhor Jack Valenti, o porta voz da MPAA (falecido em 2006) explica no documentário, os classificadores são “pais, que não são nem deuses, nem loucos” e que tentam obedecer ao critério do que será o “paí americano médio” ou na melhor das hipóteses, o que será o cidadão americano médio.
O que é o cidadão americano médio?
Os classificadores (os tais representantes não eleitos os pais americanos médios vêem um filme e tentam classificá-lo de acordo com o que um “pai comum”, pensaria de um filme.
Isto é uma lógica desde logo do mais arbitrário que existe.
Por exemplo, acontece muito na sociedade portuguesa; uma sociedade especialista em criar sistemas informais injustos de apreciação do mérito baseados na mais absoluta injustiça e falta de critério.
No sistema jurídico, o critério do “pai médio”, também existe na lei. Chama-se “os sentimentos médios de justiça do cidadão médio” ou “os sentimentos médios de justiça do pater familiae/ pai de família. Posso afirmar sem qualquer tipo de auto restrição que é umas das vigarices jurídicas mais bem trabalhadas e inventadas que os sistemas jurídicos produzem – o português em particular.
Serve esta construção de um critério – maleável, flexível e fluída – absolutamente tosca – e servindo para fundamentar decisões absurdas, ilibar juízes de erros, dizer o mesmo e o seu contrário, perante casos notoriamente iguais, criar desigualdades de facto parecendo que se estão a criar equidade e justiça na apreciação de casos em disputa.
Serve também para os digníssimos magistrados pretenderem poder afirmar, dessa forma, que se conseguíram colocar no lugar do que um bom e honesto “pater familiae” decidiria ou ´pensaria sobre um assunto.
Como se um “bom pai de família (qualquer pai de família) auferisse o rendimento dos magistrados, tivesse acesso às fontes de informação destes e possuísse os conhecimentos técnicos de direito que os magistrados tem…ou como se fosse possível uma pessoa conseguir por-se 100% na pele dos problemas de outra, desta forma tão leve…
Seria o mesmo que uma pessoa que nunca partiu um braço ou teve um ataque de coração dizer a outra a quem isso aconteceu que “sabe perfeitamente o que a outra está a sentir”…
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É uma técnica social/política passada a técnica jurídica tendo como objectivo exercer um controlo social sobre a população.
No caso português, obtém-se com isso os resultados cretinos e ineficazes que se vêem e o prosperar de um sentimento difuso mas cada vez mais entranhado de injustiça presente na vida das pessoas. Mas não de todas as pessoas.
E estas que sentem esse sentimento difuso, tem cada vez mais consciência disso mesmo, embora tenham dificuldade pessoal em determinar exactamente o que é… e porque é assim.
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No sistema americano, mas que contamina a Europa, e o mundo, está presente isto.
Está presente e manifesta-se esta mesma lógica completa de arbitrariedade total. Depois de nos termos livrado do comunismo agora temos que aturar uma coisa vagamente parecida…
Dai a frase de David Ansen, o critico de cinema convidado para depor que afirma “esse mítico pai americano é uma ficção”.
Concerteza que é. E o português, também.
David Ansen continua e afirma também: “é uma ficção conveniente que alguém tem que inventar e justificar para criar um sistema arbitrário”.
Ansen refere-se ao sistema de classificação de filmes patrocinado por empresas privadas, como ficção conveniente, mas noutras áreas da vida existe o mesmo germe totalitário à solta.
- cria-se uma suposta ideia do que será um “conceito”.
- Que abranja uma maioria de pessoas.
- Dá-se-lhe um nome apelativo e seguro ( neste caso o “pai americano médio” ou o “cidadão médio” e os seus sentimentos).
- A partir daí, tudo é feito invocando esse “logótipo” arbitrário, totalitário, absurdo.
- Com o objectivo de criar controlo social apertado.
- Usando um produto que muita gente adquire e gosta, neste caso,os filmes.
A confusão das pessoas acerca das suas próprias vidas, do seu sentido de estar no mundo, o total esbatimento de valores, sejam quais forem os valores, a confusão cívica surgem.
Esta “confusão” irá aumentar de intensidade, apesar de existirem “estes conceitos” de suposta normalização que acarretarão justiça e que são apresentados como algo que irá funcionar bem.
Continua.
Written by dissidentex
31/05/2008 at 12:43
Publicado em CENSURA, DISCRIMINAÇÃO, EUA, FILMES, MOVIMENTOS ANTI DEMOCRACIA, MPAA, NEO LIBERALISMO ECONÓMICO, PAÍSES, TOTALITARISMO
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