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IMPÉRIO À DERIVA, PATRICK WILCKEN
Livro: ” Império à Deriva”.
Autor Patrick Wilcken.
328 Páginas que abrem os olhos acerca de muita coisa em relação ao pepinal, ou seja, a Portugal.
E abrem os olhos, também, ao que seria uma monarquia aqui…
Em 1807, Portugal era um império.
Pelo menos parecia isso.
A Europa estava no auge das guerras napoleónicas.
O “grande exército” napoleónico avançava por todo o lado.
Após a diplomacia portuguesa ter esgotado as negociações, ou seja … e traduzindo: após toda a retórica e toda a conversa de cordel ter acabado, o monarca da altura, Dom João sexto, um dos maiores indecisos e empata qualquer coisa que deve ter existido na história do universo, conseguiu tomar uma decisão.
Mudar a corte para o Brasil, na época colónia portuguesa numa magnífica retirada estratégica.
Tradução: fugir a sete pés, do exército francês que vinha mesmo aí invadir este pepinal onde coexistimos; nós os actuais, infelizmente.
É, acima de tudo, é a descrição de uma coisa ao mesmo tempo louca e alucinada – como suspeito – só os portugueses sabem fazer.
Uma completa opera cómica e destrambelhada que mostra muito do que é, também, o país actualmente.
O autor – Patrick Wilcken – até é simpático, e não martela muito cá no povoado.
Descreve o Rei como um prodigioso comedor de frango, o que era verdade, porque a criatura deglutia 3 frangos ao almoço. Fora a carne de veado e restantes aves.
Para lá deste apetite, era um Rei Absoluto. O que significava o seguinte: tudo, mas tudo era decidido pelo rei.
- Comprar cordame para reparar barcos?
O rei.
- Comprar frangos para o almoço do rei?
O rei.
- Mandar uma mensagem para Angola?
Esperava-se pelo rei e pela sua decisão.
Uma monarquia … eficiente…
Ø
O prefácio do livro começa historicamente. É-nos feita a descrição da construção do convento de Mafra em 1717.
Um exemplo – página 15: “ Os fabricantes de sinos de Liége e Antuérpia ficaram tão surpreendidos com o tamanho da encomenda recebida de Portugal que puseram em duvida a quantidade, mas a seu tempo mais de uma centena de sinos seria forjada e transportada da Europa até Portugal”.
- Quem pagava a festa era o ouro do Brasil.
Anos mais tarde a colónia Brasil já tinha sido devolvida à situação de quinta agrícola. O ouro tinha-se exaurido. O resultado é o trambolho que se vê em Mafra.
Passaram os anos. Em 29 de Novembro de 1807 as tropas francesas estavam a chegar e após todas as peripécias diplomáticas, as negociações, toda a descrição do ambiente, o comboio de barcos aprovisionado para levar aquele pessoal todo que seguia o Rei até ao Brasil sai mesmo de Lisboa.
Wilcken descreve tudo de forma bastante minuciosa.
- De como Lisboa naquela época, se tornou o maior estaleiro da Europa.
- De como 7 anos mais tarde 12 mil camponeses ocupavam a área.
- De como em 1730 já eram 50 mil.
Descreve Strangford, o funcionário dos negócios estrangeiros britânico que veio para Portugal.
O objectivo de Strangford era pressionar o Rei e a corte portuguesa a aceitar as exigências britânicas. Descreve mesmo em termos pessoais, baseado em documentos da época os enormes defeitos pessoais e profissionais do senhor em questão.
Paralelamente às patifarias de Strangford e da Inglaterra; o encarregado de negócios francês dava nota ao rei das ameaças feitas a Portugal por Napoleão.
É a descrição, muito bem feita dessa movimentação, dos contra movimentos do adversário e da reacção portuguesa, que se notabilizava por uma “não reacção” (Já tinha mencionado que o rei dom João sexto era o maior indeciso do mundo?) que são aqui descritas ao pormenor.
Também existe um capitulo onde Patrick Wilcken descreve as manobras diplomáticas de Dona Carlota – a rainha – que era espanhola, mas ambicionava “Ter Poder” e “Poder Reinar”. A Espanha era à época aliada da França napoleónica.
A razão (uma das razões) que deu origem a todo este conflito foi o facto de a França ter perdido a sua frota contra a Inglaterra na batalha de Trafalgar.Esse facto levou Napoleão a decidir-se pelo “bloqueio continental” e subsequentes invasões terrestres…
Só existiam dois sítios livres na Europa, fora do alcance francês.
O porto de Copenhaga/Dinamarca e Portugal/Lisboa. Os ingleses, preventivamente, não sendo capazes de lutar em terra directamente contra os exércitos napoleónicos, optaram por rebentar a tiro de canhão da sua marinha, o porto de Copenhaga. Na época até criou na imprensa e opinião publica inglesa fortes reacções contra, porque o bombardeamento atingiu civis.
Restava Lisboa.
E Lisboa era assim, o único porto aberto na Europa. Tal situação dava à Inglaterra um beneficio muito grande para o seu comércio, escoando desta forma a sua produção e mais facilmente vendia as suas mercadorias.
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E chega-se às noticias de que “Há Guerra” – Pagina 27:
“Nas praças centrais de Lisboa, as pessoas reuniam-se para comentar as ultimas notícias e o fatalismo crescia….
As famílias diziam adeus às filhas e mulheres, que eram enviadas para a província fora do alcance dos soldados saqueadores da França”.
E descobre-se que, aparentemente, o exército português, à época, à vontade capaz de se bater com qualquer exército do mundo não estava a preparar-se para defender o país. Não tomava posições de defesa – Página28:
Algo porém, ainda mais subversivo estava a acontecer.
“Não havia sinais do exército português estar a tomar posições defensivas. Em vez disso as pessoas trocavam boatos sobre um movimento anormal nas docas de Belém. Dizia-se que o trabalho de recuperação dos navios da armada portuguesa, que tinha começado em Agosto, estava a ser acelerado”
O secretismo continuava -página 29:
…e depois da meia-noite, os estivadores carregavam grandes caixas de mercadorias para os navios. Um ar de secretismo envolvia estas actividades portuárias…
Decidiu-se que, se fosse forçoso, a frota deveria transportar não só a família real, mas a corte e o governo, os seus funcionários e o aparelho de estado – em resumo, toda a elite portuguesa – para a cidade colonial do rio de Janeiro.”
Os ingleses indirectamente até queriam e pressionavam que esta situação acontecesse, porque lhes dava benefícios comerciais no Brasil e impediam que o comércio “metido aqui” fosse “tomado” pelos franceses.
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Patrick Wilcken descreve e transcreve diálogos com base em documentos históricos do rei e dos diversos intervenientes, descreve os planos franceses para dividir Portugal em 3 áreas, para que os variados membros da família de Napoleão pudessem ter um sitio para reinar; descreve todas as jogadas de adiamento feitas pelos diplomatas portugueses, quer junto dos ingleses, quer junto do franceses uma das nossas melhores horas como país – note-se, termos de diplomacia.
Mas também descreve uma corte e um reino obsoleto, pomposamente ridículo e acima de tudo descreve, embora sem querer, como a “elite portuguesa” sempre falha nos momentos decisivos e atraiçoa o povo da qual depende.
Nota: a foto abaixo compõe toda a capa o livro de Patrick Wilcken.
É um quadro de um pintor francês chamado Jean Baptiste Debret e intitula-se “Um burocrata em passeio com a família” .
Simboliza ordem na sociedade em que a aparência é tudo. O burocrata saia de casa para passear e mostrar-se ao resto da sociedade, na frente, seguido dos filhos mais novos – a prole.
Após estes a mulher; grávida, e um séquito de escravos, a ama de companhia, a ama de leite e a escrava da própria ama de leite.
Fechando o cortejo observa-se o criado do mestre e dois escravos aprendizes ” que crescerão ao som da chibata” com o cozinheiro a assomar à porta …”
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Patrcik Wilcken descreve a viagem; 10 mil almas metidas em barcos a cair de podre, durante 2 meses de viagem, sem se lavarem – tomar banho naquela época era considerado anti higiénico. António Araújo, um dos membros do governo descreve em relatório as condições dos barcos, ou seja de um deles chamado”Medusa”.
“ O mastro principal partiu-se … porque estava completamente podre…”
Devido a vários barcos mal preparados e mesmo assim a preparação foi feita com antecedência, a bordo os piolhos surgiram.
“Os cavalheiros deitaram perucas ao mar. As senhoras raparam o cabelo”.
Na viagem foram também levados toneladas de livros e bibliotecas. Bem como candelabros e outro tipo de coisas do mesmo estilo.
- Lamentavelmente um regimento de tropas portuguesas não foi embarcado, porque não só os barcos foram carregados com toneladas de livros e outros artefactos do mesmo género para posteriormente simular no rio de Janeiro o ambiente de uma nova corte, como levaram mais de 10 mil pessoas, das quais seguramente 9000 estavam lá a mais.
- Esse regimento foi depois incorporado no exército napoleónico e enviado para a frente russa onde morreu no inverno russo.
Wilcken descreve o ambiente de cunhas e de pedidos de favores para embarcar para o Brasil com o rei; descreve o ambiente de cortesãos à espera de obterem os salvo-condutos para ir até ao Brasil com o rei, descreve muito bem todo aquele ambiente palaciano corrupto e cheirar a podre e a bafio, descreve a decadência de um império que se julgava não decadente.
Tudo isto misturado com as explicações acerca das jogadas palacianas, quer primeiro em Portugal, quer depois no Brasil, e ao mesmo tempo conjugado com as interacções com os principais personagens diplomáticos da época.
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Paralelamente Wilcken descreve como é que as consequências de uma qualquer batalha ou movimento diplomático influenciavam quer os personagens, quer os próximos movimentos diplomáticos ou batalhas e acima de tudo a posição da corte no rio de Janeiro e como ela foi mudando a sua maneira de estar ao longo dos tempos de 1808 até 1823.
Também descreve a vida de quem ficou para trás, os funcionários que ficaram para trás e/ou não conseguiram lugar nos barcos, (porque uma série de parasitas já os tinham ocupado), ou optaram mesmo por não ir.
Existem historias que Wilcken conta baseados em documentos autênticos e cartas escritas de pessoas que familiarmente deixaram de ser ver, uma vez que filhos foram para o Brasil e pais ficaram cá.
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Também descreve o contraste da chegada dos europeus – os mitos vivos e a reacção que isso provocou nos “indígenas”.
Descreve ainda a construção, o impacto da construção no rio de Janeiro e as expropriações à força que foram feitas a casas de locais. Explica porque é que casamentos foram feitos, a vida da corte no Brasil, e aos poucos e poucos como isso fez com que a corte, a partir de 1814, podendo voltar, não o queria fazer.
Isso provocava enormes protestos e agitação, aos poucos e poucos em Lisboa e em Portugal uma vez que tudo era decidido no Brasil a 6 meses de distancia.
E, paradoxalmente, Wilcken demonstra que é a ida da corte para o Brasil que ajuda imenso a que o Brasil se sinta impelido a tentar a Independência, e descreve como ocorreu o famoso grito do Ipiranga de Dom Pedro.
Este… que ia a regressar de uma campanha militar e parou num rio para defecar devido a uma diarreia. Após tal esforço notório, soltou o grito do ipiranga ( Ipiranga porque esse era o nome do rio) : “liberdade ou morte. ”
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E foi assim que o filho de um rei português, tácitamente de acordo com o pai fundou uma nova dinastia.
Pelo meio compreende-se que as guerras entre absolutistas e liberais do século 19 tem sido (quase sempre) branqueadas uma vez que Dom Miguel não é filho directo (é um bastardo) do rei, porque se percebe que existem pelo menos 3 dos 9 filhos do Rei Dom João que, segundo afirma o próprio Dom João em cartas; não são seus filhos.
E o absolutismo personificado pelo Miguelismo depois teve campo para se expandir, embora em 1831 o que já era rei do Brasil – Dom Pedro regresse a Portugal para comandar as forças liberais contra os absolutistas miguelistas, que na pratica, tinham uma pretensão ao trono inexistente.
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- Compreende-se ao ler este livro as “ elites portuguesas” sempre fugiram e abandonaram a população à sua sorte.
- Que não gostam do país, nem nunca virão a gostar.
- Apenas usam isto como uma quinta privada para usufruírem dos seus pequenos vícios e esquemas e que não se importam de vender o país ao desbarato se isso for da sua conveniência pessoal.
- Entrevista ao autor: Patrick Wilcken no DN