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20 PORTAS GIRATÓRIAS E NENHUM QUARTEL GENERAL
No dia 29-05-2008, os senhores CK Prahalad e Hrishi Bhatacharyya, respectivamente um professor de estratégia empresarial muito conhecido e um ex presidente da Unilever ( a empresa dos detergentes Omo, Sunlight e Confort, do sabonete Dove e das marcas Knorr, Calvé e Lipton entre muitas outras coisas…) fizeram sair um artigo na Business + Strategy que demonstra para onde a Globalização e a marcha das empresas multinacionais se está mover – e, indirectamente, contra os Estados nacionais.
No artigo apresentam uma tese.
Uma empresa global e moderna, não mais deverá ter uma sede central onde tudo se decide em relação às filiais. Antes devem escolher 20 países no mundo considerados como “portas giratórias” de onde operar, e de onde os produtos e serviços fabricados e prestados pelas multinacionais deverão sair e “girar”.
As motivações primárias desta tese são as seguintes:
– As perspectivas de crescimento para as corporações multinacionais estão a expandir-se, mas em países/áreas da América latina, Ásia, África, Europa de leste – mais de 4 biliões de consumidores.
– As pessoas destes locais querem possuir casas, serviços e opções.
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Os dois analistas afirmam que:
Os líderes das multinacionais reconhecem este fenómeno. Mas poucos estão a lidar com ele. A razão para tal é que persistem em ver a economia nestes mercados como “mercados emergentes” e não mercados já autónomos…
Seguidamente na linha de raciocínio do artigo oferecem o exemplo de uma multinacional que já tem 1/3 da sua facturação e e quase 2/5 dos seus lucros a provirem destes “mercados emergentes”.
Perante estes dados argumentam que o centro de gravidade desta(s) empresa(s) multinacionais continua a ser o mesmo que sempre foi: A Europa e os Estados Unidos.
Porque é que é assim:
Explicam que é assim, porque os executivos de topo estão formatados culturalmente e psicologicamente pelo facto de terem sempre vivido na Europa e nos EUA e portanto resistem à mudança.
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Isto são os “dados do problema”.
A partir daqui evoluem para o lançamento da hipótese segundo a qual, os executivos de topo deveriam organizar as suas empresas de acordo com os “desejos destes novos consumidores globais”.
Para satisfazer os “desejos” ,lançam a ideia de “Portas giratórias” (Hub´s).
Os países são – vistos pelo prisma destas empresas – apenas portas giratórias de circulação de mercadorias serviços e eventualmente pessoas. (Para isso corromper-se-à, presume-se, o poder político…)
- Esta lógica exclui a democracia como forma de organização da sociedade.
Prahalad e Hrishi não estão a fazer um artigo que debata isto,e se concentre nesse problema, mas é a conclusão que se deve tirar desta teoria.
O passo seguinte é lógico – após revelar a ideia “porta giratória” é definir quais são os países “porta giratória”. Escolhem designar 20 países que melhor sirvam como “porta giratórias” para as empresas.
– Podemos obviamente pensar que países não democráticos terão, segundo esta lógica, mais hipóteses de serem escolhidos do que países democráticos.
O que quer dizer que na prática, as empresas multinacionais estão a favorecer a continuação da “não democracia”.
A inversa também pode ser verdadeira, mas não é plausível como hipótese. Duas razões:
Uma de ordem prática:
1. as empresas multinacionais respondem perante os seus accionistas e pelos lucros que fazem e não pelos governos democraticamente eleitos dos países onde actuam.
Outra de ordem analítica:
2. Existe sempre a ideia argumentativa de apresentar o facto de empresas multinacionais fazerem negócios em ou com ditaduras, como sendo uma “vacina” democrática que é aplicada a esses países e que fará (através de artes mágicas) com que a população desses países deseje ” democracia”.
Esta ideia é parcialmente falsa:sucede com alguns países, não sucede com outros. O exemplo actual clássico, é a China, uma ditadura que permite livremente as empresas multinacionais, mas não se transforma em democracia.
Não compreender isto e não compreender que este é o problema principal é não compreender nada.
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O autores avançam com a ideia de recrutamento de talentos. Isto é, se estas companhias que adoptassem esta visão das coisas tal possibilitaria a atracção de talentos desses países “portas giratórias”e paralelamente, deveriam montar escritórios dotados de capacidades ao nível do marketing, logística, etc. Isso possibilitava que pudessem manter uma poderosa presença nos países da região de influencia destas “portas giratórias”.
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Isto é um jogo em que se perdeu antes de se começar a jogar e que países como Portugal aceitaram jogar.
Um país vê assim completamente limitada a sua capacidade de atrair qualquer investimento sério.
Um país vê assim completamente limitada a vontade de poder influir sobre a criação de emprego dentro do seu próprio território.
Um país vê assim os seus fornecedores nacionais condenados a terem que adoptar métodos e técnicas de funcionamento, não autónomas, mas apenas orientados em função de “padrões” comerciais ou técnicos das multinacionais que estão nos Hub´s à sua volta…
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De acordo com esta teoria defendida pelos dois autores, os 20 países “porta giratória” já estão decididos em função do seu peso e influência e quaisquer outros nunca terão hipóteses – joguem como jogarem este jogo de abismos económicos…
Portugal joga este “jogo” porquê?
(Nota dissonante: constitui batota argumentar que apenas pode jogar este jogo…)
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Outra ideia dos autores é a de criar uma “rede global” entre os executivos dos 20 países “porta giratória” onde todos interagem com todos, tendo apenas 20 escritórios básicos e normais.
O objectivo económico – de gestão – comercial visa atacar a complexidade dos mercados todos através destas “estrutura flexível”. A suposição será a de que; através dos países “porta giratória” esta complexidade seria reconhecida e tratada de forma mais eficiente.
Razão de ser da complexidade? Porque existem mais de 190 países no mundo.
Nota lateral: o ataque à democracia como sistema será assim completo. O posicionamento do país “porta giratória” e das empresas multinacionais nele estacionadas condicionará os países adjacentes a esse, condicionará as decisões políticas desse país. Não entender isto é não entender nada.
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Explicam ambos os autores como se faz actualmente:
As empresas tentam ser globais de duas maneiras:
- centralizadamente
- descentralizadamente
O (1) sistema descentralizado pressupõe que o mundo tem um quartel general e 5 ou 6 escritórios centrais – presumivelmente para cada continente. Com gestores separados para cada continente.
Estes, por seu turno, fazem de alfaiates comerciais e adaptam produtos aos gostos peculiares de cada país. É aliás isso que explica algumas das coisas mais estúpidas que se costumam ver, e como exemplo temos – a Coca cola com sardinhas – o que demonstra bem o desespero comercial da marca em Portugal e a tentativa desesperadamente imbecil de adaptação aos gostos locais.
Os autores não o dizem explicitamente, mas argumentam que isto (a diversidade cultural) é péssima.
Apresentam como exemplo uma empresa de produção de sopa de tomate na Europa que tem mais de 50 sopas diferentes.
Nota venenosa: se a diversidade cultural é péssima, e se a democracia, é diversidade cultural, política e social então, por analogia, a democracia é péssima?
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O (2) sistema centralizado procura uma aproximação unificada ao mercado. Isso significa que as oportunidades perdidas de negócio, precisamente pelo facto de a empresa ser centralizada são imensas.
É para combater os defeitos das duas estruturas que surge esta ideia nova de pais “porta giratória”. Um sistema hibrido.
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Nota de biologia híbrida: se é um sistema híbrido, e por definição algo híbrido não é definido; é uma mistura de duas ou mais coisas, então um sistema híbrido não se importa com qual regime político trabalha?
Nota estratégica: esta organização comercial – decidida em exclusivo por empresas multinacionais – constitui, também, estrategicamente, uma forma de atacarem os países nacionais e os seus governos e os condicionarem cada vez mais.
Nota reflexiva-eleitoral: os reflexos são enormes nas eleições democráticas em cada pais. Vote-se no “A” ou no “B” ou no “C”, o paradigma económico está a ser decidido num qualquer pipeline de informação / país “porta giratória” algures localizado e não no local onde se realizaram eleições.
Nota de traição. os políticos que ajudaram “este sistema” a impor-se desistiram de mudar o mundo através da sua acção como políticos. Em vez de tal fazerem, gastam energias a manter a ilusão de que tudo isto é verdadeiramente uma democracia e que todos podemos decidir sobre aquilo que nos afecta, o que não é verdade.
Prometem agora proteger-nos de perigos que nós não vemos e nós não conseguimos compreender… Ver “os políticos e a venda de pesadelos”
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Prahalad e Hrishi designam os países – “mercados emergentes”
- China
- índia
- Brasil
- Rússia
- México
- Coreia do Sul,
- Indonésia
- África do sul
- Tailândia.
- Turquia
- 3.1 Biliões de pessoas.
Países dos mercados maduros
- EUA
- Japão
- Alemanha
- Reino Unido
- França,
- Itália
- Espanha
- Canada
- Austrália
- Holanda.
- A base da pirâmide de produção foi atribuída aos países emergentes.
- A produção “de topo” aos países dos mercados maduros.
Seguno os autores estes são os países países que tem “valor” (entendido como utilidade) para as multinacionais.
Razões:
Nos países mercados emergente: os trabalhadores são (1) muitos, (2) a custo baixo e (3) com competências, bem como (4) existem infraestruturas e (5) sociedades dispostas a fazerem parte do sistema de comérico internacional( Isto não é inteiramente verdade, mas percebe-se porque é que os autores dizem isto…)
E juntos os 20 países “HUB” contam para 80% da actividade económica do mundo e por 70% dos seus habitantes.
– Uma da partes importantes relaciona-se com o risco. Neste sistema” HUB” o risco é disseminado por 10 ou mais locais.
Cite-se Zygmunt Bauman em “Livro:Globalização,as consequências humanas”
Consequências:
A elite extraterritorial não sente os espaços geográficos onde nasceu; por exemplo, como sendo algo que lhe diga respeito. O sentido de comunidade (e de interesse pela comunidade) desaparece na elite.
Os centros de decisão (a capital, o governo, etc) estão longe, mas as consequências das tomadas de decisão desses centros de decisão caem directamente em cima das populações “localizadas” que estão impossibilitadas de se mexerem.
Consequências 2
O “poder” passa a ser livre para explorar, sem temer quaisquer tipos de consequências por fazer isso.
Bauman conclui que essa mobilidade não pressupõe que as comunidades “localizadas” tenham tolerância ou aceitação perante isto ou as desenvolvam como conceitos a utilizar…
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Os autores tratam também da (1) questão de marketing. Isto é, se será possível o marketing feito num país “Hub” chegar à áreas adjacentes que esse país “influencia” sem existirem barreiras culturais.
O truque é criar uma situação em que a “marca” multinacional, tem uma imagem de alta qualidade e excelência, mas um preço baixo, sendo”desenhada” para países ou mercados emergentes e populações de baixos recursos.
Outra questão; (2) mexer na actual estrutura da multinacional e sendo isso um factor de problemas, é também focado. Se o facto de existir “outsourcing/ contratar fora não criará problema a empresa multinacionais.
O truque é que isto não será um grande problema, argumentam os autores, uma vez que o risco será dividido por 10 hub´s ou mais.
E agora importa citar a cereja no topo do bolo, precisamente para se perceber que o que foi escrito antes significa exactamente o que significa, e que as minhas impressões acerca disto – para os cépticos – são de facto verdadeiras.
A dada parte dizem que:
Underlying the gateway–hub structure is a basic management principle for worldwide enterprise: Neither local responsiveness nor global integration should be based on ideology. This represents a new model for global corporations based not on the priorities of home, but on the needs of the marketplace and on locating work wherever it can be conducted most efficiently and managed most profitably.
Tradução a martelo:
Subjacente à estrutura Hub” como porta giratória está um princípio básico para a empresa multinacional.
Nem a resposta local nem a integração global DEVEM SER BASEADAS EM IDEOLOGIA.
Isto representa um NOVO MODELO para as corporações globais baseado não nas PRIORIDADES DO PAÍS CASA, mas nas necessidades do mercado e em localizar o trabalho onde ele possa ser produzido MAIS EFICIENTEMENTE E GERIDO COM MAIS RENTABILIDADE.
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Nota 1: existem excepções á lógica dos HUB admitidas pelos próprios autores. Certos negócios , como a moda, ou outros negócios que requeiram matérias primas naturais, estarão fora da lógica do Hub´s.
Nota 2: Também recomendam que, mesmo dentro da lógica dos Hub´s não se coloquem todos os centros de investigação e desenvolvimento só num país e toda a produção noutro país. (Dessa forma mais autónoma é a multinacional e mais “agarrado” está o país…)
O artigo foi escrito em Maio 2008.
– Para quem tem dúvidas que foi decidido internacionalmente muita coisa, e que isso que foi decidido afecta países que nada de especial tenham para oferecer ( como é o caso de Portugal) e que a lógica por detrás de tudo isto é pouco ou nada democrática, visando um controlo de pessoas e populações penso que a leitura crítica( isto é , como análise critica) dirá bastante acerca do que se está a passar e daquilo que estamos a enfrentar.
– Venham-me falar de “democracia” e multinacionais, quando os principais analistas e estrategas da gestão defendem abertamente um modelo de empresa que ataca as noções de democracia.
Este artigo Dissidente-x é dedicado ao blog My Hopes and Dreams
à propósito de uma conversa privada.