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ENRICO MATEI, A ENI E O APARENTE NACIONALISMO ECONÓMICO

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Após a segunda Guerra mundial a Itália estava destruída. A maior parte dos bens e serviços eram importados a partir das potências que controlavam a Itália, ou tinham que passar por empresas anglo -saxónicas, que dominavam a maior parte do mercados mundiais – com os EUA à cabeça dos comandos de controlo.

E surgiu Enrico Matei, a quem os italianos (e o resto do mundo) devem muito embora não o saibam.

Matei era politicamente de direita, adepto da democracia cristã. Tinha sido um combatente do fascismo italiano durante a segunda Guerra mundial, liderando o maior grupo de combatentes anti fascistas de influência não comunista da resistência italiana no norte de Itália.

Após a Guerra foi nomeado para ser o agipchefe da região norte italiana da empresa de petróleos italiana, a “AGIP” – Alianza generalli italiana petroli, (mais tarde conhecida por ENI), mas com uma missão especial – desmanchar e terminar com a empresa; entidade moribunda esta que tinha sido criada duas décadas antes (fundada em 1926) por Mussolini.

Matei, nacionalísticamente e tendo em conta os interesses da Itália, fez exactamente o contrário. Também porque e apesar da Itália ter mudado de lado, na guerra, em 1943, o país estava destruído, o PIB tinha recuado para níveis de 30 anos antes e a fome ameaçava a população.

Perante a situação Matei definiu a estratégia da ENI (a AGIP era a marca comercial…) a seguir: (1) criar ou aproveitar fontes indígenas de produção de energia (especialmente gás natural) que (2) gerassem a auto suficiência do país na produção energética e (3) impedissem que a Itália gastasse quantidades colossais de dinheiro a importar energia (petróleo e gás) e ao mesmo tempo (4) isso criasse empregos e (5) criação de riqueza no país (por exemplo, através da construção de refinarias próprias de petróleo e de redes nacionais de abastecimento de combustíveis).

Alguém de bom senso acha isto fora do razoável, em 1946? Ou mesmo actualmente?

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Existia ainda outra razão de peso para estas ideias de Mattei: para comprar petróleo em mercados internacionais era necessário pagá-lo em dólares.

As reservas em dólares italianas teriam a tendência a serem “dizimadas”, ou em alternativa, a empobrecer mais ainda o país a médio prazo, porque era necessário fazer muito dinheiro para depois o converter em divisas; dinheiro esse que era difícil de arranjar, numa Itália destruída e pobre e com reduzidas e desorganizadas capacidades industriais no pós guerra.

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Existiam ainda “sub razões” para estas ideias de Mattei: estava em “vigor” um monopólio de comercialização, prospecção, transporte e refinação a cargo das “sete irmãs” ou Seven Sisters/Sette Sorelle, as maiores sete companhias petrolíferas dos anos 50 que cartelizavam o mercado, definindo preços e negócios. (Foi Mattei que criou a expressão “Sette sorelle”…)

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Voltando um pouco atrás: após a guerra, em 1946, Mattei tinha sido mandatado para privatizar rapidamente a AGIP/ENI.

Em vez disso lançou, com os poucos fundos disponíveis, uma operação ambiciosa de prospecção de petróleo e gás natural no norte da Itália. Após algumas promissoras descobertas de petróleo, mas especialmente de Gás, e devido a isso, plena autorização para fazer a exploração e continuar a desenvolver a ENI.

As grandes companhias petroliferas internacionais tentaram boicotar as ideias de Mattei, e a expansão da ENI, utilizando a “primeira táctica clássica”.

Abordaram Mattei e a Eni, propondo-lhe que se pudessem fazer empresas conjuntas/negócios conjuntos com a ENI/AGIP de Mattei, para comercializarem na Itália. Era uma forma de dar um “abraço de urso” a um concorrente e amortecê-lo. Mattei, recusou sempre.

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Nota: este sistema nos tempos actuais, sofisticou-se.

Um pequeno exemplo hipotético:

(1) Actualmente propõe-se a compra de uma empresa que esteja em (2) dificuldades económicas num dado país (vamos supor um hipotético país chamado Portugal) ao (3) governo desse mesmo país ( Vamos supor a Sorefame/ A.K.A asea Brown Boveri…A.K.A Bombardier), cujos (4) responsáveis políticos tem nas anteriores décadas assinado (5) acordos comerciais, que (6) retiram ou (7) limitam fortemente qualquer hipótese de a dada empresa (8) sobreviver no mercado internacional, de (9) forma autónoma.

Depois a empresa é (10) comprada por um (11) forte concorrente internacional, que pertence a um (12) dado país ou área económica, (13) cujos responsáveis políticos tem (14) em discursos amplamente repetidos, nos meios de comunicação social, repetido a necessidade de (15) reduzir o número de empresas no mercado devido aos (16) elevados custos e para se criarem (17) “economias de escala” que mais tarde virão a proporcionar (18) reduções de preços no produto.

Mais tarde verificamos que: (A) o numero de concorrentes desceu, (B) os lucros dos que ficaram aumentaram; o (C) preço do produto encareceu; (D) a dependência dos países que tem que comprar este produto (deixaram de ser eles próprios produtores) aumentou, e (E) o desemprego na sua própria população aumentou e ainda, ( F) uma base industrial/de serviços existente num qualquer país, foi assim destruída – “de forma não natural”.

O bónus – designado por “cereja no topo do bolo desta estratégia”- consiste em meter as culpas para o partido comunista lá do sítio, ou qualquer outra força do mesmo estilo, que é sempre apelidado de radical, anti comércio, etc, e assim arca com as culpas disto, nunca se permitindo que a situação mude. *

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Qual era o problema definido por Enrico Mattei?

Simples. Uma drenagem de divisas italianas em dólares, era aplicada sobre a Itália, que consistia no pagamento das importações de petróleo inglesas e americanas e isso gerava um enorme problema de deficit comercial da balança de pagamentos italiana do pós – guerra.

Mattei pensou de forma estratégica para contornar o problema.

E quis produzir para a ENI um bem inestimável: autonomia comercial e estratégica.

Atacou o problema do transporte da matéria prima da fonte até aos locais que dela precisavam mandando construir um oleoduto que ia do local das jazidas encontradas, no norte de Italia até Milão e Turim, duas enormes zonas populacionais e industriais, que se tentavam reerguer.

Os lucros daí retirados serviriam (serviram) para financiar a posterior expansão da ENI/Agip no norte de Itália (isto é, mais prospecção e refinarias…sistemas de logística e postos de abastecimento…)

Reestruturou a empresa, e organizou-a para se expandir. A lógica de Matei era simples do ponto de vista estratégico:

– Atacar o poder das “sete irmãs”, não permitindo que estas comandassem a distribuição e comercialização de petróleo em Itália.

Estas, deliberadamente, faziam uma política de preços altos, através da limitação da produção de petróleo para que assim as suas holdings mantivessem lucros altos (devido à relativa escassez do produto) , sendo que os preços eram nivelados pelos níveis de preços (mais altos) dos Estados Unidos, enquanto que, e ao mesmo tempo, esses mesmos produtos eram vendidos a países pobres da Europa mas o preço na Europa era feito pelos mesmos paralelos dos preços altos dos EUA.

Como o alto custo de produção de extracção de petroleo nos EUA era elevado, tornava-se necessário compensar isso – “indo buscar o dinheiro” aos países pobres e destruidos da Europa, após a segunda guerra Mundial.

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Analogia especulativa: devido ao elevado custo de extracção de petróleo actualmente nos EUA, é necessário criar “factores” que elevem esse mesmo preço. Uma guerra pelo controlo de matéria prima nos territórios onde é mais baixo o preço de extracção ( o médio Oriente) parece ser algo interessante, por duas razões

A) controla-se a matéria prima e obtém-se o que se pretende;

B) Não se controla a matéria prima, mas gera-se aumentos brutais do preço do petróleo, que, dessa forma, já justificam que se inicie a produção em zonas “caras” para os preços anteriores ( Ex: Alasca).

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A partir de 1953, Mattei, após ter feito pressões sobre o poder político criou finalmente a ENI, como holding autonoma estatal, com subsidiarias divididas por areas de negócios.

O êxito foi tal, que possibilitou outras expansão: uma frota de tanques de transporte de combustível e o lançamento de estações de serviço “modernas” com restaurantes e outros serviços que não somente combustível a serem nela vendidos” – ultrapassando a norte americana Esso e a Shell, em qualidade e serviço ao consumidor.

Nota: não deixa de ser irónico que uma companhia estatal fosse mais dinâmica comercialmente que companhias provadas…

Construiu ainda centrais de refinação, uma empresa de refinação e fabrico de borracha, e uma companhia marítima própria com frota de petroleiros, para fugir ao monopólio de navegação e transporte, que as “sete irmãs” possuíam.

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Toda esta actividade de Mattei e da Eni começou a irritar os norte americanos.

Especialmente depois de saberem que Mattei estava a procurar diversificar as fontes de produção de petroleo; isto é, a procurar firmar acordos, com países produtores, para importar petróleo, mas com condições muito mais vantajosas para esses mesmos países produtores.

Em abril de 1954, Mattei procurou negociar com as 7 irmãs, uma pequena fatia, no Irão. Foi rejeitado.

Um ano depois Mattei estava a fazer um generoso acordo com o Egipto de Nasser, para extrair a partir de lá, e enviar o petróleo para as refinarias italianas. Tudo feito sem ser necessário “pagar” em divisas (isto é, dólares) por se fazer o mesmo, no mercado internacional.

Em 1957 Mattei iniciou negociações, de novo, com o Irão, oferecendo um negócio muito mais vantajoso. Propôs que a companhia iraniana de petroleos, recebesse 75% e a ENI 25%, através duma”joint-venture”.

Antes de Mattei, os negócios eram feitos, na base dos 50%/50%, o que possibilitava uma lucro colossal para as companhias e pouco rendimento para os países produtores( devido à natureza do negócio…).

Mattei veio destruir este desiquilibrio.

Pelo meio disto, em Itália, continuou – comercialmente – a exercer pressão sobre as sete irmãs, promovendo sistematicamente reduções de preços e melhorias no serviço ao cliente, procurando não só reduzir o que os italianos pagavam de combustíveis, mas também, procurando aumentar a “base de clientes”.

Uma das formas usada, foi através de “lobbying” contra o alto imposto sobre petróleos aplicado pelo governo italiano e do agrado das “sete irmãs”.

Em resultado disso, entre 1959 e 1961, o preço dos combustíveis em Itália caiu 25%.

Nota: compare-se com Portugal…actualmente…

Em 1958, Mattei realizou negócios com a Rússia, promovendo a construção de um oleoduto que atravessava a Italia, a Hungria, a Checoslováquia e a Polónia. O preço era de um dólar por barril, por oposição a comprar em preços à epoca normalmente e aproximadamente de 2.75 por barril.

A partir daí, Mattei foi alcunhado de “amigo de Moscovo”. *

Um mês após o oleoduto ter começado a bombear petroleo, Mattei morreu num muito pouco esclarecido acidente de avião. Suspeita-se de atentado.

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Written by dissidentex

21/12/2008 às 17:58

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