O nosso magnífico governo (e o espírito totalitário que o anima…) criou; isto é, gastou dinheiro para o nosso bem. Alvíssaras.
Criou um sistema em que o cidadão, seja ele qual for, ao que parece, poderá queixar-se electronicamente de qualquer malfeitoria que tenha visto a acontecer ou dela tenha tido conhecimento.
Parece uma boa ideia. Não é.
Quando acedi à página em questão apareceu-me o aviso mostrado em cima, segundo o qual, o certificado electrónico de segurança do sitio em questão não seria válido. Tal demonstra desde logo o trabalho bem feito. Um sítio electrónico que pretende garantir confidencialidade nas queixas feitas por cidadãos, faz com que o nosso navegador de Internet (Firefox) responda: ” é impossível verificar a identidade de queixas electrónicas. mai.gov.pt como sítio de confiança.
(O sitio, em baixo no fundo, tem a indicação que está optimizado para IE7, firefox e opera…)
Ou seja… que nos diz que o sitio em questão até pode não ser …verídico…pode ser uma página duplicada…não originária da fonte nela indicada…
Numa outra interpretação bem humorada poderemos dizer que nenhum governo é de confiança, seja qual for a sua cor política; este avisa-nos disso mesmo; só temos que prestar atenção ao aviso…
Também existem várias dimensões do problema.
Uma delas é o incitamento a delação que isto pode provocar. (Assunto já tratado AQUI numa perspectiva diferente…) O incitamento à desconfiança permanente de todos os cidadãos uns dos outros. Se todos, generalizadamente, começarem a usar isto por tudo e por nada teremos uma mentalidade de delação ainda mais instalada do que já está. E que terá tendência a alimentar-se a si própria.
Esta era a mentalidade que vigorava pré 25 de Abril de 1974.
Vou citar baptista Bastos em 2007, num artigo chamado “socialismo da delação” (mesmo correndo o risco de me chamarem comunista, coisa que não sou…nunca fui.)
“…Quando um governo “socialista” promove a delação como conduta, e consubstancia a infâmia num folheto sórdido, tal acontece porque ainda nos encontramos moralmente enfermos. Logo após Abril, os números do aviltamento sobressaltaram os espíritos mais cândidos: quatro milhões de portugueses com ficha na PIDE, e cerca de quatrocentos mil informadores. Agora, na Socratolândia, propõe-se a setecentas mil pessoas que delatem, sugerindo-lhes que praticam uma acção moralizante quando se trata de procedimento desonroso. Este Governo, incapaz de cortar cerce a raiz da corrupção, avilta-nos a todos, ao acirrar à denúncia. E, ao incorrer no crime de corrupção moral, coloca-se na zona da delinquência que propugna punir.”
Outra dimensão é o próprio sistema conceptual que está por detrás.
Supostamente,
existem forças de segurança subdivididas nos seus mais variados departamentos e meios que,
teoricamente,
deveriam fazer este trabalho de recolher informação; “vigiar e monitorizar ” a existência de crimes e preveni-los.
Verifica-se que não. Verifico que terão que ser os cidadãos a fazer o trabalho das forças de segurança denunciando os hipotéticos ou reais crimes que assolam a pátria.
Afinal, para que é que existem forças de segurança? Se são os cidadãos convidados a fazer o trabalho delas?
Numa outra linha de análise, poderão espíritos sensíveis contra argumentar que ” certas percentagens de crime até desceram” em Portugal desde há 14 anos para cá.
No entanto o governo que nos garante que as percentagens de crime desceram é o mesmo governo que incentiva à criação de mecanismos como estes…visando denunciar outras certas percentagens de crime que … não desceram?
Então algo está a falhar?
Ou os objectivos passam por um outro tipo de controlo?
É um mistério…retire as conclusões quem quiser…acerca da securitização e da instituição de um Estado de segurança tentacular, mais forte controlo das pessoas, mais incentivo aos cidadãos a espiarem-se e denunciarem-se uns aos outros…
Depois existe a notícia Destak, que confirma desde a abertura, o uso massificado para a “técnica da denúncia”: 140 denuncias até Março 2008, das quais apenas 48 foram consideradas como sendo crimes.
Das duas, uma.
- Ou existiu um filtro muito apertado retirando da classificação de crime, uma série de denuncias;
- ou eram apenas denuncias feitas para “lixar o próximo” ou movidas por um qualquer pânico repentino.
Fosse qual fosse a situação isto não é bom.
Entra-se no referido sitio e olhando para o menu do restaurante, existe uma lista de crimes e infracções que podem ser denunciadas.
Há aqui pérolas fantásticas.
Como sejam o “Roubo” ou o “Casamento de conveniência” ou os “danos contra a natureza”. Já nem esmiúço o resto…
Exemplo 1.
Sou roubado. Dirijo-me à esquadra de polícia mais próxima para participar. As pessoas tomam nota da queixa, dizem que não podem fazer nada e o assunto é arquivado daí a um ano ou dois.
Mas… agora… com a queixa electrónica isto será concerteza resolvido?!?!
Presencialmente, não é resolvido por queixa. Mas electronicamente, denunciado por um terceiro, será resolvido?
Exemplo 2.
O casamento de conveniência é brilhante.
O Estado português é que tem por obrigação, controlar isso. Suponho até que é por isso que existe registo civil de casamento, notários, bilhetes de identidade e verificações que se farão à posteriori….etc…
Aqui é dito aos cidadãos para irem dizer ao Estado, electronicamente, que outros cidadãos estão casados por conveniência. Por exemplo, imigrantes?
Ora porque é que eu hei-de arranjar chatices com terceiros denunciando-os por estarem a fazer uma ilegalidade que não me afecta a mim directamente?
Ah… tá bem, é porque devo ser um cidadão patriota… e cívico e ajudar o partido socialista no governo…
Isto são, aliás algumas das consequências da “incrivelmente mal feita política de imigração”. Incapaz a “esquerda moderna” de definir uma política de imigração com pés e cabeça, vem agora incentivar a que portugueses, presume-se, denunciem casamentos estranhos de estrangeiros ou de portugueses com estrangeiros…com o fim de arranjar a nacionalidade portuguesa ( europeia).
Era mais simples e mais barato alterar a política de imigração.
Mas depois… onde se iam arranjar ótarios para pagar a sumptuosidade da elite portuguesa através dos descontos que fazem e como se ia encharcar o mercado de trabalho com pessoas a quem é oferecido 400 euros de ordenado? Ou seja, como se conseguiria continuar a manter a política de deflação de salários?
Exemplo 3.
Outra engraçada, entre muitas outras, é a da poluição aparecer na lista das possíveis queixas electrónicas.
Todos os dias vemos inúmeros exemplos de poluição a ser feita. Basta olhar para os autocarros da Carris.
Deverei eu fazer queixa online da Carris? É uma dúvida que me atormenta…
E será essa queixa resolvida? Como? Proibindo-se autocarros de circular?
E poluição estética?
Continuando…
No espírito da administração aberta (coisa que a actual não é, antes pelo contrário) neste fantástico sitio de queixas electrónicas existe também uma zona (não, não é a zona do Stalker…) que nos manda para a legislação.
Isto é extremamente útil. A senhora Joaquina que vive em “Janelas Rombas de Cima” a quem alguém despeja 1 tonelada de lixo durante a noite no seu quintal ficará certamente agradecida por poder ir à Internet, ao Portal das queixas electrónicas, consultar o Código Penal…
Este é o estilo de pseudo administração aberta que este governo tenta incentivar…
Existe contudo sempre algo mais espantoso. Na imagem que se vê em cima do lado direito em cima existe “um mecanismo de camuflagem” ( esconda a sua visita) que impede que alguém perceba a nossa intenção de apresentar queixa.
Ao testar esta estrambólica página cliquei no referido subterfúgio da invisibilidade.
Fui dar ao portal do Sapo. ?!?!?!?!
Eu estava à espera de ir dar aos subterrâneos de um castelo medieval e fui dar ao portal sapo… Ok, nem sequer vou tentar perceber o estranho mecanismo retorcido que aqui está…
Mas o pior de toda esta lógica está para vir e demonstra a desonestidade destas pessoas, deste sistema, até mesmo para um leigo como eu, em informática.
Este site tem uma política de privacidade. Transcrevo uma parte, a das informações:
————-
“”” Que Informações recolhemos?
Recolhemos vários tipos de informação, dependendo de como usa o sistema.
Quando faz o registo da queixa, recolhemos o seu nome, morada, endereço electrónico, número de telefone e número de documento de identificação, entre outros.
Não é mantido qualquer histórico de apresentação de queixas.
Também poderemos recolher informação sobre a sua utilização do site para fins de análise com o objectivo de melhorar a sua experiência no site.
Exemplos da informação que poderemos recolher e analisar incluem o endereço do protocolo da Internet (IP), usado para ligar o seu computador à Internet; informação acerca do computador e da ligação, tal como o tipo e a versão do browser, o sistema operativo e a plataforma e a ligação para, através e desde o sistema, incluindo a data e a hora.”””
—————-
Chamo a atenção para o que está sublinhado. e para a conversa escorregadia que aqui está.
A azul está a conversa encriptada. Podiam dizer caso fossem minimamente sérios, que inserem cookies no computador de quem visita a página em vez desta conversa de chacha. É isso que ali está a azul.
O que significa que controlam, de facto, a identidade de quem faz a denuncia.
A parte a azul claro basicamente significa que tudo o que um computador debita para um fornecedor de acesso à Internet e respectivo servidor, é verificado/gravado por estes senhores. Data e hora.
O que permite exactamente saber-se quem e onde, foi feita a denuncia. Tendo em conta que este país é um queijo cheio de buracos, saber-se-á sempre quem foi.
Também é dito que não se mantém histórico de queixas. Por escrito, não. Electronicamente fica gravado em dados digitais (que podem ser imprimidos ou copiados). Isso é destruído? Ou não? E quem tem acesso?
Agora imagine-se o seguinte e cru exemplo: denuncia-se um casamento de conveniência de uma prostituta com um membro da máfia russa ou similar.
Alguém ingénuo e mal informado denuncia isso. Arrisca-se a acabar baleado precisamente porque, entre muitas coisas, o próprio sistema electrónico de denuncias deixa rastos demasiado visíveis para que não sejam detectados.
Isto, ao mesmo tempo, que “garantem confidencialidade na apresentação da queixa.”
Não sei se isto é pura estupidez e irresponsabilidade ou apenas sacanice…
Tenho algumas dificuldades em perceber como é que se garante confidencialidade de apresentação de uma queixa estando ao mesmo tempo a gravar IP´s de computador e restante situação descrita.
Estamos pois, perante um conceito novo: a anonimidade conhecida.